As
irmãs contam que alguns clientes já ficaram desconcertados ao perceber que elas
eram anãs. Mas isso é raro. Segundo Mila, boa parte deles vai lá para vê-las.
"A gente é como um folclore", diz, "às vezes levamos bronca
porque não estávamos na loja. Muitos querem ser atendidos apenas por nós".
Mas
por trás dos sorrisos que elas espalham para os clientes, existe uma realidade
menos 'colorida', compartilhada por outros anões.
"Outro
dia saímos do ônibus e um homem, de dentro de um carro, chamou a gente de anãs
de circo", conta Adriana. "Eu não ligo muito, mas a Mila fica nervosa
com as brincadeiras". Adriana, entretanto, lembra de um caso que a
incomodou. "Há uns 10 anos, eu trabalhava em uma loja de acessórios para
banheiro, e era a minha vez de atender um cliente. Quando eu me apresentei, ele
me ignorou, fingiu que não me viu. Eu passei o cliente para uma colega e fui
chorar no estoque da loja".
Com
Kênia Hubner, 53 anos, 1,23 m, as histórias de preconceito se repetem. Ela e o
marido Hélio Pottes, 53 anos, 1,33 m, são responsáveis pela associação Gente
Pequena, uma organização inspirada na Little People of America, dos EUA, que
estava inativa por duas décadas e renasceu há 3 anos.
Kênia
é formada em enfermagem pela PUC (Pontifícia Universidade Católica). Quando foi
procurar emprego com três amigas de estatura normal, elas avançavam no processo
seletivo e Kênia era sempre desclassificada na primeira fase. "Rodei por
25 hospitais. Durante uma prova de classificação, a moça me perguntou, na
frente de todo mundo: 'por que você está fazendo isso? Como vai atender uma
parada cardíaca?'".
Ela
trabalha há 28 anos no hospital Beneficência Portuguesa. Já empregada, Kênia
ainda enfrentava obstáculos. "A diretora do hospital era muito questionada
sobre a minha admissão. E parece que você tem que trabalhar dobrado, tem sempre
que ficar provando que é capaz", lamenta. "Com paciente nunca tive
problema, mas quando eu subo na escadinha da cama alguns acham que eu vou
cair."
Com
a filha Maria Rita, 17 anos, 1,25 m, os problemas foram na escola. "Ela
não era aceita, as pessoas criavam dificuldade, mas não explicavam as
razões". Uma vez dentro da sala de aula, os pais explicavam que ela não
precisava de carteirinha especial para estudar. "Os amiguinhos tratavam
ela como boneca e até faziam sua lição. Ela, claro, aproveitava", recorda
a mãe.
O
nanismo é uma mutação genética. Existem mais de 80 tipos e 200 subtipos da
doença, mas a mais comum é a acondroplasia. Segundo a dra. Chong Ae Kim, chefe
da unidade de genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, como a
mutação é aleatória, qualquer casal pode ter um filho com a doença, mas fatores
como a idade avançada do pai podem aumentar as chances de um casal ter um filho
anão. Por outro lado, um casal anão também tem chance de ter um filho sem a
doença. "O gene é dominante, portanto, um casal com a doença tem 25% de
chance de ter um filho normal", afirma Kim.
Algumas
características dos anões são: baixa estatura, cabeça grande, perfil achatado,
membros -principalmente braços e coxas- curtos, dedos afastados e alteração na
coluna. "Eles podem ter algumas complicações ao longo da vida, mas a
maioria tem saúde normal. E todos têm inteligência normal", diz Kim. A
expectativa de vida dos anões segue a média da população.
O
IBGE não tem um levantamento de quantas pessoas têm a anomalia no Brasil, mas a
medicina estima que entre 15 mil e 26 mil crianças nascidas vivas, uma tem
acondroplasia. Se estimarmos que um em 20 mil bebês tem a doença no Brasil,
seriam cerca de 9.500 anões no país.
Hoje
adolescente, Maria Rita está no 2º colegial do colégio Objetivo, faz equitação
e aula de jazz. "Conheci muitos anões pela Internet, temos uma comunidade
no Orkut e isso me sustenta, mas não tenho preferência por amigos altos ou
baixos".
No
Orkut, existem mais de 500 comunidades relacionadas ao nanismo. Nem todas
trazem um mote amigável. "É a cultura do circo", lembra o pai de
Maria Rita, Hélio. Para ele, esta cultura é responsável por manter os anões em
categorias de ridicularização, principalmente no mundo do espetáculo.
"Alguns já estão representando atores normais, interpretando textos. Mas
muitos ainda são explorados porque são diferentes, e acabam fazendo papel de
anão de circo", afirma. Além de publicitário, com experiência em criação e
design, Hélio faz teatro e atua com o grupo Os Parlapatões. E representa
personagens não estereotipados.
Mila,
da loja Casinha Pequenina, também é atriz e diretora de teatro. "Já fiz os
estereótipos de sete anões e ajudante de papai-noel, mas hoje faço teatro pelo
teatro mesmo". Ela já foi cantora de ópera, rei, cardeal e está em cartaz
interpretando uma secretária.
Com
a associação Gente Pequena, Hélio se dedica a conscientizar os colegas.
"Muitos ainda não têm especialização e precisamos divulgar as perspectivas
futuras". Dos cerca de 700 associados, mais da metade não têm formação no
ensino superior. "Eles não tem referência de profissão, muitos pais não
incentivam".
Hélio
lembra que o deboche com anões no teatro ou na TV é reproduzido nas ruas.
"Na época que o [programa de televisão] Pânico inventou o 'pedala,
Robinho', os anões recebiam tapas na rua. Os pais da associação ficaram
revoltados", conta Hélio. "Isso era ruim para os atores e para todos
os outros anões. Muitos não saíam de casa por vergonha."
O
ator que interpretou o Robinho, Nestor Bertolino Neto, 39 anos, 1,20 m,
discorda. "Isso só vem ajudar a gente", afirma, "antes da TV eu
sofria discriminação duas vezes: por ser anão e por ser negro".
No
mundo artístico, ele se diz realizado. "Minha vida mudou, eu sou tratado
de forma boa, conquistei valor com o meu talento". Mesmo com o quadro
'pedala, Robinho' extinto, Nestor se diz "muito feliz" com suas
atuações na TV e em eventos —na maioria das vezes ainda interpreta Robinho.
"O pessoal brinca de 'pedala' com todo mundo, independente de ser anão.
Isso não tem nada a ver".
Para
a advogada, Tatiana Muniz, 29 anos, 1,26 m, o anão não é visto como artista e
sim como um motivo para as pessoas darem risada. Antes de fazer o curso de
direito, Tatiana ganhava dinheiro com eventos em festas e danceterias.
"Quase 100% dos eventos eram voltados para a sátira", relembra,
"eu me sentia mal". Agora ela está estudando para o concurso da magistratura.
"Por falta de oportunidade no mercado de trabalho ou por não poder custear
um curso, os portadores acabam abrindo mão do sonho", acredita Tatiana.
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