Estranhos esses tempos,
Senhor Redator, em que as ações de governo, mesmo justas, deixaram o poder
executivo e se transformaram em tarefas do Ministério Público que cobra, e da
magistratura que manda diante da sociedade que clama. Hoje governam, de fato,
os atores da lei e não da política, ensinando à sociedade – numa deformação
republicana – que é mais seguro prescindir dos governantes eleitos pelo voto,
levá-los às barras dos tribunais e desqualificá-los como condutores da
sociedade.
E ninguém cometa o erro
de imaginar que a deformação nasceu de uma simples hipertrofia do legalismo. O
monstrengo é filho legítimo da própria política, nascido e nutrido no caldo de
cultura que aferventa na mesma panela a corrupção, o desmando e o tráfico de
influência. Hoje são as instituições jurídicas que garantem saúde, educação,
segurança, salários e remédios para pacientes crônicos, tudo quanto antes eram
tarefas de governo. E era honrosa aos governantes a luta para garanti-las a
todos.
O que pensa um
governante diante de uma manchete quando anuncia que a Justiça determina a
obrigação do governo de abrir um crédito de R$ 2,4 milhões para remédios de
pacientes crônicos ou o cumprimento imediato de pagar direitos líquidos e
certos que seu governo negou ou procrastinou? Que laços de confiança podem
nascer entre um governo e uma sociedade, ou entre líderes e liderados, em
qualquer nível, se é preciso bater às portas da Justiça para garantir cada
direito que a lei determina?
A essa altura a deformação
tornou-se tão natural que é preciso ressaltá-la para exibir seu rosto estranho.
Que falta de recursos é essa, para comprar remédios ou pagar meses de salários
atrasados a professores, se de repente aparecem quando os governantes são
emparedados por decisões judiciais? O que leva um gestor público eleito a não
fazê-lo antes que o caso seja levado à esfera pública para de lá sair na forma
de sentença? Então é preferível só fazer o que a justiça determina para gastar
menos?
Os novos vícios produzem
hoje a mais profunda desorganização no sistema político brasileiro.
A ponto de tirar a nitidez dos papéis de cada um dos três poderes. O executivo cumpre ordem sob pena de intervenção; o legislativo é prisioneiro do executivo em nome da governabilidade; e o Judiciário resolveu legislar como se o Senado e a Câmara, envolvidas em denúncias de corrupção, estivessem sob o crivo da desqualificação. Criamos uns monstros entre atrofias e hipertrofias, abusões e aberrações.
A ponto de tirar a nitidez dos papéis de cada um dos três poderes. O executivo cumpre ordem sob pena de intervenção; o legislativo é prisioneiro do executivo em nome da governabilidade; e o Judiciário resolveu legislar como se o Senado e a Câmara, envolvidas em denúncias de corrupção, estivessem sob o crivo da desqualificação. Criamos uns monstros entre atrofias e hipertrofias, abusões e aberrações.
Ora, se à sociedade esta
República não se sente no dever de mostrar, com toda nitidez, quem governa,
legisla e julga, afinal, a quem dará as garantias de decisões, leis e
julgamentos justos? Sem saber o papel de cada poder, freios e contrapesos, a
não ser da vigilância poderosa do Ministério Público diante de uma magistratura
caída no abismo, os cidadãos de amanhã estão sendo treinados para a democracia
do medo e do castigo. E a liberdade deixou de ser um bem para virar uma arma.
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