José Carlos L. Poroca // Executivo do segmento de shopping centers
jcporoca@uol.com.br
Dizem
que, quando se passa dos 40, há uma tendência natural do cinquentão desempenhar
o papel de orador repetitivo. Quem não possui o dom da oratória, se transforma
numa espécie de pica-pau falante, batendo na mesma tecla 'n' vezes. Quem mais
sofre são os mais próximos que escutam a mesma história 10, 20, 30 vezes,
durante 10, 20, 30 anos. O sofrimento é menor quando o 'pica-pau' não é um
carente de riso da plateia. Imagine rir da mesma piada durante anos. Não dói,
mas, sem dúvida, se constitui em mais um exercício da nem sempre fácil matéria
da boa convivência que muitos não conseguem sair do abecedê e outros são
pós-graduados.
Como
estou na faixa etária do pica-pau, procuro ter as cautelas necessárias para não
cair no beco, no sentindo mais amplo. Não preciso colocar a mão no fogo para
descobrir que posso ganhar uma queimadura; não fico sob a água mais que um
minuto e meio para não ganhar no obituário, na linha causa mortis, o título de
'afogado'; também durmo de pijama, independente da temperatura, nunca se sabe;
rezo ao dormir e ao acordar, nunca se sabe. Viram um sinal ("nunca se
sabe") que pode denunciar a idade ou configurar um sinal do bis?
Feitas
as observações ad cautelam, volto a comentar sobre assuntos que me fascinam:
sono e sonhos. Insone, morro de inveja daqueles que dormem ao menor balanço
(olhaí, Conceição!), independente do local: esteira, rede, sofá, poltrona,
pedra ou cama de pregos. O sono não é interrompido mesmo com os gritos da
moçada que chega da balada de madrugada ou do som do vizinho ligado a pleno
volume com um daqueles pagodes incômodos. Aliás, dizer 'pagodes incômodos' é o
mesmo que dizer infelicidade infeliz.
Durmo
pouco e sonho menos ainda. Minto: sonho, mas um sonho, digamos, diferente dos
normais e mortais deste planeta. Os meus são sonoros, mas não tem cores; são em
preto e branco. Não é de todo ruim e depende muito como se vê um copo de 300 ml
ocupado pela metade: meio cheio ou meio vazio. A vantagem é que não posso
contemplar na plenitude oferecida as cores dos melhores sonhos; em
contrapartida, também não vejo as cores feias dos piores. Sou um sonhador
conformista ou um conformista sonhador, a critério do freguês.
Conformista
e otimista - é bom retificar. Não à toa. Estou à espera pelo lançamento de um
aplicativo para celulares que poderá trazer benefícios. A invenção é de um
psicológico e ilusionista britânico que tenta descobrir a possibilidade de
influenciar o conteúdo dos sonhos das pessoas. Já imaginei a cena: acionar o
aplicativo às 23h e tocar nos ícones programados, seguindo passo a passo as
instruções: deitar, relaxar e aguardar. Espero que o caminhão do lixo - que só
passa de madrugada - não interrompa as melhores cenas e não transfira os
'cheiros' para os meus sonhos.
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