sábado, 26 de maio de 2012

SEREJO: Agora, só Deus

Data: 14 maio 2012 - Hora: 18:45 - Por: Vicente Serejo

O caso eu conto como me contaram. E quem me contou, há anos e anos, naquela mesa redonda no primeiro andar da velha Livraria Universitária, entre goles de chá mate com limão – coisa de Walter Pereira, o gentil-homem – foi o professor Mário Moacy Porto. Era um humanista em quem a cultura erudita refinava o humor naquelas conversas que nós, bem mais jovens, dividíamos com Alvamar Furtado, Américo de Oliveira Costa, o coronel Manuel Leão Filho e, algumas vezes, Jaime Hipólito.

É a história de um literato peripatético de João Pessoa, lá na Paraíba, versejador infatigável que tinha a confessada e única veleidade de um dia compor um soneto que fosse tão hermético ou mais que os sonetos do grande Augusto dos Anjos, seu ídolo, nascido no engenho Pau d’Arco a poetar os seus primeiros versos à sombra de uma velha tamarineira. Era seu sonho, como um ideal, pois de quimeras vivem todos os poetas. Principalmente aqueles de alma parnasiana como as tardes de Olavo Bilac. 

 Pois bem. Um dia, depois de retocar semanas e semanas os quatorze versos de um soneto feito com palavras de rimas ricas e complicadíssimas, certamente caçadas como passarinho, uma a uma, nos melhores dicionários do ramo, o poeta finalmente deu por acabada sua missão que ergueu como uma verdadeira escultura. Pronta e revista nos últimos detalhes e requintes de obra prima, saiu na direção da redação de um jornal que tinha como redator-chefe da folha literária um velho amigo de juventude.

 Saudado por todos da redação, foi atravessando o pequeno salão até a mesa daquele redator seu companheiro de vida literária. Tirou o soneto do bolso, datilografado com todo esmero, leu em voz alta acentuando as rimas alternadas, e pediu finalmente que o amigo fizesse circular no domingo próximo.  Mas, ao fechar a página poética, o redator, por puro esquecimento, deixou de programar a publicação do soneto e por isso o jornal saiu sem o brilho daqueles versos esmerilhados com lavor de joalheiro.

Segunda-feira, quando viu o poeta chegando, o redator foi logo pedindo desculpas pelo trágico esquecimento que adiara a glória do poeta amigo. Nem acabou a frase. Ele, impávido, retrucou dizendo que não viera reclamar. Pelo contrário. ‘Foi ótimo que não tivesse saído. E explicou: fiz um soneto que só eu e Deus pudéssemos entender sua complexidade metafísica. Ontem, relendo várias vezes, cheguei à conclusão que nem eu entendo certas expressões que usei. E concluiu gravíssimo: Agora, só Deus’.

Essa história toda, Senhor Redator, é para dizer que durante esses anos de lutas políticas, só Deus e o papa Vivaldo Costa compreendiam o estilo do deputado federal João Maia. Tanto que eram sólidos aliados. De repente, abro o jornal e encontro a notícia inesperada: Vivaldo rompeu com João Maia. Li, reli, joguei o jornal de lado, e pensei comigo: agora, sem Vivaldo Costa, e como o soneto do poeta peripatético da Paraíba, só Deus pode entender João Maia e seu Partido Republicano. Só Deus.

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