O
caso eu conto como me contaram. E quem me contou, há anos e anos, naquela mesa
redonda no primeiro andar da velha Livraria Universitária, entre goles de chá
mate com limão – coisa de Walter Pereira, o gentil-homem – foi o professor
Mário Moacy Porto. Era um humanista em quem a cultura erudita refinava o humor
naquelas conversas que nós, bem mais jovens, dividíamos com Alvamar Furtado,
Américo de Oliveira Costa, o coronel Manuel Leão Filho e, algumas vezes, Jaime
Hipólito.
É
a história de um literato peripatético de João Pessoa, lá na Paraíba,
versejador infatigável que tinha a confessada e única veleidade de um dia
compor um soneto que fosse tão hermético ou mais que os sonetos do grande
Augusto dos Anjos, seu ídolo, nascido no engenho Pau d’Arco a poetar os seus
primeiros versos à sombra de uma velha tamarineira. Era seu sonho, como um
ideal, pois de quimeras vivem todos os poetas. Principalmente aqueles de alma
parnasiana como as tardes de Olavo Bilac.
Pois bem. Um dia, depois de retocar semanas e
semanas os quatorze versos de um soneto feito com palavras de rimas ricas e
complicadíssimas, certamente caçadas como passarinho, uma a uma, nos melhores
dicionários do ramo, o poeta finalmente deu por acabada sua missão que ergueu
como uma verdadeira escultura. Pronta e revista nos últimos detalhes e
requintes de obra prima, saiu na direção da redação de um jornal que tinha como
redator-chefe da folha literária um velho amigo de juventude.
Saudado por todos da redação, foi atravessando
o pequeno salão até a mesa daquele redator seu companheiro de vida literária.
Tirou o soneto do bolso, datilografado com todo esmero, leu em voz alta
acentuando as rimas alternadas, e pediu finalmente que o amigo fizesse circular
no domingo próximo. Mas, ao fechar a
página poética, o redator, por puro esquecimento, deixou de programar a
publicação do soneto e por isso o jornal saiu sem o brilho daqueles versos
esmerilhados com lavor de joalheiro.
Segunda-feira,
quando viu o poeta chegando, o redator foi logo pedindo desculpas pelo trágico
esquecimento que adiara a glória do poeta amigo. Nem acabou a frase. Ele,
impávido, retrucou dizendo que não viera reclamar. Pelo contrário. ‘Foi ótimo
que não tivesse saído. E explicou: fiz um soneto que só eu e Deus pudéssemos
entender sua complexidade metafísica. Ontem, relendo várias vezes, cheguei à
conclusão que nem eu entendo certas expressões que usei. E concluiu gravíssimo:
Agora, só Deus’.
Essa
história toda, Senhor Redator, é para dizer que durante esses anos de lutas
políticas, só Deus e o papa Vivaldo Costa compreendiam o estilo do deputado
federal João Maia. Tanto que eram sólidos aliados. De repente, abro o jornal e
encontro a notícia inesperada: Vivaldo rompeu com João Maia. Li, reli, joguei o
jornal de lado, e pensei comigo: agora, sem Vivaldo Costa, e como o soneto do
poeta peripatético da Paraíba, só Deus pode entender João Maia e seu Partido
Republicano. Só Deus.
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