É
dessa gente caiçara, Senhor Redator, esse destino cósmico de acreditar no sol e
na lua, no dia e na noite, na escuridão e nas estrelas. Faço parte desse povo
nascido na beira da praia e por isso aprendi a não duvidar de sua força. Basta
vê-lo vindo buscar o que é seu, lambendo a areia, devorando muros ditos de
arrimo, muralhas, alambrados, construções. Fui menino ouvindo a lição dos
pescadores quando as ondas avançavam e bramiam como no velho mar dos sonetos
parnasianos: o que é o mar, o mar leva.
Desde
o início dos anos setenta, mais de quarenta anos, que ando nesta beira de mar
da Redinha. Se não ando mais até as sombras dos coqueiros de Santa Rita para de
lá avistar as alvas dunas de Genipabu, como antes, paciência. A juventude
dobrou a esquina para nunca mais voltar. Agora é remar com vagar. Passo lento,
olhos flutuando, a cabeça vagando nas lembranças. Pressa? Pra quê? Vou indo
assim, meio devagar, sem o arroubo das certezas, mas encantado com a dúvida
como um sinal de vida.
A
ciência do homem, Senhor Redator, é mais misteriosa do que os mistérios do mar.
Imagine que um dia chegaram aqui umas máquinas gigantes e começaram a jogar
pedras no fundo do rio. Monstruosas e feias, aquelas geringonças da tecnologia
nem se davam conta que estavam mexendo com a paciência da natureza e invadindo
suas entranhas. E fizeram isso que chamam linha de corrente, e que nas minhas
águas antigas se chamava quebra-mar, quando não se sabia das hidrogeologias do
mundo.
É
um estirão de rochas estreitando o rio na direção da boca da barra e, segundo
os sábios pagos a peso de ouro pelas burras federais, só assim o velho Potengi
não mais ficará assoreado, invadido pelas areias que tornam raso seu leito no
canal, caminho nas águas para a passagem dos navios. Assim foi feito. Quem
teria forças de impedir? Os pescadores que ainda resistem naquele canto, último
porto na Redinha, viam tudo com um riso maroto nos olhos, desconfiados de
milagres que não nascem de Deus.
Bastou
mais um tempo e a cobra gigante ficou pronta. Estava lá como até hoje, inerte,
estirada entre o rio e o mar, como se fosse muito simples separar as águas ou
fazê-las recuar. Às vezes penso que essa ciência especializada em fazer
monstros de pedras não sabe o que é o mar. Muito menos, de tão simples, uma
maré de lua. Por isso calculam, projetam, reproduzem tudo em laboratório e
chegam a uma conclusão simples: é fácil dominar as águas, as correntes
marítimas e os ventos. E começam a construir.
Aqui
também foi assim. Um dia deram por feita a cobra gigante. Na inauguração,
então, foram esmerados: trouxeram uma bela rocha de granito, como as que
jogaram no mundo do mar, e puseram uma garra de ferro daqueles seus monstros e
a espetaram no cume. Estava pronto o monumento. E se foram. No dia seguinte,
silenciosamente, o mar voltou para buscar o que era seu. E vem avançando a cada
maré de lua. Vem furioso, depois recua lentamente, e assim vai indo. Numa força
de nunca acabar.
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