quarta-feira, 30 de maio de 2012

SEREJO: Das coisas do mar

Data: 19 maio 2012 - Hora: 18:04 - Por: Vicente Serejo


É dessa gente caiçara, Senhor Redator, esse destino cósmico de acreditar no sol e na lua, no dia e na noite, na escuridão e nas estrelas. Faço parte desse povo nascido na beira da praia e por isso aprendi a não duvidar de sua força. Basta vê-lo vindo buscar o que é seu, lambendo a areia, devorando muros ditos de arrimo, muralhas, alambrados, construções. Fui menino ouvindo a lição dos pescadores quando as ondas avançavam e bramiam como no velho mar dos sonetos parnasianos: o que é o mar, o mar leva.

Desde o início dos anos setenta, mais de quarenta anos, que ando nesta beira de mar da Redinha. Se não ando mais até as sombras dos coqueiros de Santa Rita para de lá avistar as alvas dunas de Genipabu, como antes, paciência. A juventude dobrou a esquina para nunca mais voltar. Agora é remar com vagar. Passo lento, olhos flutuando, a cabeça vagando nas lembranças. Pressa? Pra quê? Vou indo assim, meio devagar, sem o arroubo das certezas, mas encantado com a dúvida como um sinal de vida.

A ciência do homem, Senhor Redator, é mais misteriosa do que os mistérios do mar. Imagine que um dia chegaram aqui umas máquinas gigantes e começaram a jogar pedras no fundo do rio. Monstruosas e feias, aquelas geringonças da tecnologia nem se davam conta que estavam mexendo com a paciência da natureza e invadindo suas entranhas. E fizeram isso que chamam linha de corrente, e que nas minhas águas antigas se chamava quebra-mar, quando não se sabia das hidrogeologias do mundo.

É um estirão de rochas estreitando o rio na direção da boca da barra e, segundo os sábios pagos a peso de ouro pelas burras federais, só assim o velho Potengi não mais ficará assoreado, invadido pelas areias que tornam raso seu leito no canal, caminho nas águas para a passagem dos navios. Assim foi feito. Quem teria forças de impedir? Os pescadores que ainda resistem naquele canto, último porto na Redinha, viam tudo com um riso maroto nos olhos, desconfiados de milagres que não nascem de Deus.

Bastou mais um tempo e a cobra gigante ficou pronta. Estava lá como até hoje, inerte, estirada entre o rio e o mar, como se fosse muito simples separar as águas ou fazê-las recuar. Às vezes penso que essa ciência especializada em fazer monstros de pedras não sabe o que é o mar. Muito menos, de tão simples, uma maré de lua. Por isso calculam, projetam, reproduzem tudo em laboratório e chegam a uma conclusão simples: é fácil dominar as águas, as correntes marítimas e os ventos. E começam a construir.

Aqui também foi assim. Um dia deram por feita a cobra gigante. Na inauguração, então, foram esmerados: trouxeram uma bela rocha de granito, como as que jogaram no mundo do mar, e puseram uma garra de ferro daqueles seus monstros e a espetaram no cume. Estava pronto o monumento. E se foram. No dia seguinte, silenciosamente, o mar voltou para buscar o que era seu. E vem avançando a cada maré de lua. Vem furioso, depois recua lentamente, e assim vai indo. Numa força de nunca acabar.

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