A
culpa, Senhor Redator, pra dizer a verdade, não foi do meu pai nem da minha
mãe. A vida é que quis assim. Não era fácil, naqueles anos medonhos, deixar um
emprego público de contador da Capitania dos Portos e vir tentar a vida na
capital. Com mulher e, na época, quatro filhos. Só quando um amigo que morava
no Rio de Janeiro, um conterrâneo macauense, conseguiu a sua transferência para
aquele velho Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, uma notícia
muito esperada durante muito tempo.
Ainda lembro: viemos na frente, meses antes,
no misto de Chico de Gustavo, hoje Empresa Cabral. Tinha nove anos, mas ainda
tenho nos olhos o adeus triste do meu pai. E chegamos sem lenço e sem
documento, apostando na vida. Minha mãe, de olhar muito aguçado, dizia que se
ficássemos lá a vida estancaria. Era preciso desafiar, ousar, ainda que a
ousadia fosse apenas ter os filhos matriculados nos colégios de Natal. Eram
quase todos públicos, mas eram bons. Como o Atheneu, antes do abandono.
A fortuna e o infortúnio nasceram ai. Não foi
impossível ficar no Ginásio São Luiz. Fui para o Ginásio Noturno Monsenhor
Matta que funcionava no Grupo Alberto Torres, na hoje Praça das Flores. De lá
para o Atheneu onde fiz o clássico fugindo da matemática, física e química do
científico. Ainda tentei o primeiro ano, mas vi que se fosse bacharel em
Direito seria um fracasso. Para evitar o naufrágio, e consciente de que era
mais ou menos em tudo, fui ser jornalista, esse especialista em coisa
nenhuma.
Ora, Senhor Redator, vindo do Atheneu noturno
e numa terra onde as amizades explicam tudo – os fortes salvam os fracos
indicando-os como amigos de juventude. Não tê-los na hora certa, pois, faz
falta até hoje. É o defeito grave que explica esse não ter sido. Esse não ser
nada. Esse nunca ser indicado pra coisa nenhuma. Nem por isso, culparia a minha
mãe que nos reunia em torno de uma mesa humilde, na beira de uma rua simples
chamada Pinto Martins, e com palavras acendia em nós a chama da esperança.
Escrevinhador
vulgar a quem o destino negou a glória de escritor, hoje coleciono o brilho dos
que tiveram amigos importantes na infância. Sem frustrações. Nem precisaram de
competência. Pra quê? Só a pose nas colunas sociais. A caneta regurgitando no
papel sempre paciente do poder público, as arrazoadas assinaturas timbradas
pelos cargos. Daqui, como um mestre gajeiro, bem do alto desta gávea e diante
do meu mar antigo, vejo quando seus navios chegam e partem em circunavegações
de gloriosas espumas.
Ora,
a quem culpar se deixei na infância, herança de mim mesmo, uns poucos craques
de futebol que driblavam os adversários e faziam gol, mas perderam o jogo da
vida? E aquele menino, meu vizinho, íntimo dos mistérios da ciência, como não é
um senador? E aquele outro que um dia deixou a rua para ser oficial, mas nunca
mais voltou Almirante da Marinha do Brasil como sonhava? Ah, agora lembro: e o
seminarista que aos domingos, de batina, vinha almoçar com a família, o que fez
dele a bondade de Deus?
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