Em
vez de falar em políticas de combate à seca, a ideia agora é desenvolver
projetos de convivência com o clima do semiárido, o que é apontado como a
solução para o drama sertanejo. “O objetivo deste questionamento não é
substituir palavras, mas debater o conceito. É mostrar que o conceito de
‘combate à seca’ carrega consigo a ideia de dependência sem fim dos povos, de
políticas emergenciais e compensatórias, que alimentam um ciclo de vícios e
interesses entre o poder político e o poder econômico”, diz, em artigo, o
coordenador-geral do Centro Sabiá, Alexandre Henrique Pires.
Para o professor de sociologia da Ufal
(Universidade Federal de Alagoas), Paulo Decio de Arruda Mello, erros
históricos e direcionamentos de investimentos fazem com que o sertanejo ainda
seja vítima das previsíveis secas.
“O
que ainda prevalece é o descaso, pois a seca é fenômeno bastante conhecido. O
estado brasileiro reconhece isso desde o início do século 20, quando criou o
Instituto Federal de Obras Contra a Seca, que é percursor do Dnocs
(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas). O problema é que esses órgãos
foram aparelhados pelas oligarquias. O discurso da seca rendeu muitos
privilégios para poucos, fazendo açudes em propriedades particulares, com
favorecimento de carro-pipa. Ou seja, uma longa incompetência em atenuar os
problemas do fenômeno”, explica.
Para
o coordenador da ASA, Naidson Batista, há também um histórico de fracassos nos
pacotes de políticas públicas destinadas aos sertanejos. Um exemplo citado por
ele é a doação, pelo governo federal, de cisternas de plástico, em substituição
às de alvenaria comum. Além de 100% mais caras, Batista questiona que os
equipamentos são apontados como mais frágeis e excluem o sertanejo do processo
de construção.
“Com
essas cisternas, o governo não assume a realidade da comunidade, não emprega os
pedreiros da região. É, na verdade, uma reedição da política de combate à seca
adotada por décadas, quando se trazia pacotes prontos, tirando a capacidade do
semiárido de gerir seus problemas. Isso aconteceu durante anos e gerou a
miséria”, afirma, citando que essa é uma forma de manter a indústria, “onde o lucro
fica todo com o fabricante, em São Paulo, não ficando nada com o sertanejo, que
sequer sabe como consertar um problema em uma cisterna como essa.”
Diante
da maior seca desde 1970, na última terça-feira (22) a ASA divulgou uma carta,
em nome de mais de 750 associações e entidades do sertão nordestino, pedindo à
presidente Dilma Rousseff, entre outras coisas, a suspensão da compra das
cisternas de polietileno.
As cisternas são apontadas como a falha atual,
mas são muitos --e mais graves-- os erros históricos apontados pelos
sertanejos. O principal deles é a falta de obras estruturais, ao longo de
décadas, como a construção de adutoras para abastecimento, açudes, cisternas e
poços que garantam a captação e armazenamento da água durante as estiagens.
“A
oligarquia e os políticos dela oriundos e a ela [seca] ligados sempre
explicaram este fenômeno como algo de responsabilidade da natureza,
esquecendo-se, intencionalmente, das decisões políticas deles próprios e dos
governantes. Creditam, assim, à natureza, aquilo que é responsabilidade e
resultado das decisões políticas”, afirma a ASA na carta à presidente.
Melhorias
Apesar
dos erros históricos, os especialistas são unânimes em apontar que houve
mudanças positivas no cenário de dependência, especialmente pelo acesso à
informação e maior organização dos sertanejos. “Isso vem mudando com a
redemocratização do país, embora ainda seja uma correlação de forças desigual.
Mas a tendência é que as pessoas exerçam mais a cidadania, com mais canais
federativos e com mais força política. Mas isso é um processo, não só
institucional, mas de construção do cotidiano”, diz o sociólogo Paulo Decio de
Arruda Mello.
No
contexto das melhorias também são citados programas sociais do governo, que
garantem água e alimento para consumo mínimo durante as estiagens, o que
reduzem a miséria.
“Há
mais de uma década que a política de água obteve ganhos consideráveis pela
entrada das cisternas e barragens subterrâneas, reforçando os antigos
instrumentos como os poços artesianos, tubulares, barreiros, açudes e adutoras.
Por isso, a falta d’água das chuvas não mais mata de sede no sertão nordestino.
A presença dos órgãos públicos mudou, da intervenção do Dnocs e mesmo da
Sudene, exclusivamente assistencialistas e emergenciais, para instituições
públicas com maior capilaridade, municipalizadas. A ampliação da Previdência
Social no campo, assim como de programas de transferências de renda, a exemplo
do Bolsa Família, reduziram em muito a pobreza absoluta no meio rural”,
explicou o professor de economia da Ufal, Cícero Péricles Carvalho.
Apesar das mudanças, as lideranças do sertão
não escondem que ainda há um longo caminho a trilhar. “Ainda aguardamos a
massificação dessas políticas estruturantes. Precisamos de formas de
armazenamento de água para a pequena produção. Esse é um dos nossos calos”,
conta o diretor do Polo Sindical do Médio São Francisco, que representa
municípios da região dos Estados da Bahia e de Pernambuco.
Por
conta da falta de chuvas, boa parte das terras do semiárido é formada por
pequenas propriedades, pertencentes a agricultores que vivem produção de
alimentos e criação de gado para sobreviver. Nas pequenas comunidades, a
dependência do carro-pipa é quase que total, já que a grande maioria não tem
sistemas de abastecimento. E mais grave: menos de 5% dos sertanejos têm água
para irrigação de plantações, seja por tubulações ou por cisternas especiais.
Assim, em secas, toda a plantação é perdida.
Medidas
No
dia 23 de abril, o governo federal anunciou um investimento de R$ 2,7 bilhões
em ações de combate aos efeitos da seca. Entre as medidas previstas estão a
antecipação de R$ 799 milhões do programa Água para Todos, já previstos no
Orçamento Geral da União, para a construção de cisternas e a instalação dos
sistemas de abastecimento simplificado. Os recursos também deverão ser usados
para a construção de mananciais e pequenos barreiros destinados à agricultura
familiar.
Apesar do elogio ao investimento recorde em
obras para captação e armazenamento de água no sertão, as organizações também
questionam porque as ações não foram anunciadas antes da estiagem.
“Como
podemos permitir ou aceitar de lábios cerrados que sejam anunciadas essas
medidas, no momento em que a situação das famílias agricultoras já está em um
estágio de emergência? Os recursos tecnológicos de que dispomos já nos
informavam desde 2010 que o ano de 2012 seria de estiagem severa e que tenderia
a se estender até 2013”, questionou o coordenador-geral do Centro Sabiá,
Alexandre Henrique Pires.
Em caráter emergencial, o governo federal
anunciou medidas como pagamento do seguro Garantia Safra, o pagamento da Bolsa
Estiagem (no valor de R$ 400 por família), a abertura de uma linha de crédito
com juros reduzidos e crédito extraordinário de R$ 164 milhões para
distribuição de água por meio de caminhões-pipa.
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