O
PL nº 1610/96 foi o tema do debate convocado pela Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira, no último dia 10,
tendo como convidados deputados integrantes da Comissão Especial de Mineração
em TIs da Câmara Federal que analisa a matéria. A organização indígena
reivindica em documento que as populações afetadas sejam consultadas e que seus
direitos sejam garantidos
A
Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei nº
1.610/96, que regulamenta a mineração em TIs (Terras Indígenas), deu novos
sinais de que deverá se posicionar a favor da liberação do garimpo nessas
áreas.
Durante
seminário realizado em São Gabriel da Cachoeira, noroeste amazônico, em 10/5, o
relator da proposta, deputado Édio Lopes (PMDB-RR), defendeu a possibilidade de
exploração econômica do solo de TIs por terceiros, além das comunidades
indígenas, apesar de a Constituição garantir a elas o usufruto exclusivo. O deputado
afirmou que, se constituírem empresas, garimpeiros poderiam explorar as
riquezas minerais do solo de TIs.
Realizado
a convite da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), o
evento pretendia mostrar como está sendo feita a análise do PL e colher
subsídios para a elaboração do relatório sobre a matéria, que deve ser
concluído ainda este ano.
A
grande maioria dos que falaram pela Comissão era de representantes do setor
minerário favoráveis à abertura das TIs à exploração de minério. Estiveram
presentes integrantes do DNPM (Departamento Nacional de Pesquisa e Mineração),
Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) e da Aprogram (Associação de
Profissionais Geólogos do Amazonas). Deputados estaduais e integrantes de
cooperativas de garimpeiros também defenderam a mineração nas TIs. O Procurador
da República no Amazonas, Eloi Francisco Zatti Faccioni, foi o único convidado
a falar em defesa dos direitos das comunidades indígenas. Antes do seminário, a
Aprogram espalhou faixas pela cidade com os dizeres “Yanomami apoiam mineração
em TIs”, sem autorização das organizações indígenas.
Na
abertura do evento, o presidente da Foirn, Abrahão Oliveira França, lembrou que
a intenção do convite feito à comissão era discutir uma lei que garantisse os direitos
dos povos indígenas. Apesar disso, na véspera, o assessor da Comissão,
Frederico Cruz, que também funcionário do DNPM, disse em uma rádio local que o
debate serviria como espaço para quem quisesse se manifestar a favor ou contra
a mineração em TIs. Por essa razão, muitos participantes limitaram-se a
criticar falhas da implementação de políticas públicas na região e defenderam a
mineração como alternativa de renda.
Nunca é demais lembrar que quando realizado
sem fiscalização e condições adequadas, o garimpo pode provocar impactos
socioambientais graves. A atividade tende a ser foco de migração descontrolada,
doenças contagiosas, violência e prostituição. Principalmente na Amazônia,
ensejou invasões, conflitos e mortes entre populações indígenas. O caso do
garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami é um bom exemplo disso. Os Yanomami
convivem até hoje com o garimpo ilegal em seu território, sempre assombrados
pelo massacre de Haximu, ocorrido em 1993, quando mais de uma dúzia de
garimpeiros, acompanhados de pistoleiros profissionais, em busca de ouro,
assassinaram com requintes de crueldade 16 índios Yanomami.
Foirn
Durante
o seminário, o diretor da Foirn, Maximiliano Correa Menezes, afirmou que a nova
lei deveria estabelecer em que condições poderá haver mineração nas TIs e quais
os casos em que ela não deverá ocorrer. Menezes mencionou que o tema é tratado
na proposta de Estatuto dos Povos Indígenas (PL 2.057/91) que foi discutida na
CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista) e também tramita na Câmara.
Ele ressaltou que o movimento indígena defende que a regulamentação do assunto
seja detalhada nessa proposta, e não em um projeto específico.
A
Foirn entregou um documento ao relator Édio Lopes e ao presidente da Comissão,
Padre Tom (PT/RO), em que apresenta subsídios para a elaboração da nova lei e
reitera o pedido para que seja feita uma consulta aos povos indígenas do Rio
Negro quando o relatório ficar pronto (Leia aqui o documento na íntegra).
A
Foirn reivindicou que não basta conhecer o relatório, mas deve haver tempo
hábil para analisá-lo e discuti-lo com as comunidades indígenas. A expectativa
é de que a posição das organizações indígenas seja considerada pela Comissão.
Durante
o seminário, vários participantes afirmaram desconhecer o conteúdo do
relatório. Lopes e Padre Tom comprometeram-se a retornar a São Gabriel para
apresentá-lo quando ele estiver pronto.
Padre
Tom afirmou que o governo federal não pretende votar o PL nº 2.057 porque não
teria condições de aprovar, com sua base parlamentar, um texto favorável aos
povos indígenas. Segundo o deputado, no entanto, a perspectiva é que o projeto
sobre a mineração em TIs seja votado ainda neste ano.
Usufruto
Segundo
a Constituição, o usufruto das riquezas do solo das TIs é exclusivo dos índios
e a atividade garimpeira por terceiros é proibida nessas áreas. A exploração do
subsolo pode ser feita por concessão da União.Lopes argumenta que a decisão do
STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a demarcação da TI Raposa-Serra do Sol
(RR) permitiria a exploração do solo das TIs por terceiros, incluindo
garimpeiros se constituídos em empresas.
No
texto das condicionantes incluídas na decisão em relação à´Raposa-Serra do Sol,
o falecido ministro Menezes Direito afirma que “o usufruto dos índios não
abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a
permissão de lavra garimpeira”.No julgamento, no entanto, o relator do
processo, ministro Ayres Britto, tratou as condicionantes como salvaguardas que
apenas serviriam para orientar futuras decisões do STF, uma vez que não foram
submetidas a contraditório. Assim, elas não reconheceriam ou criariam direitos
para terceiros.
A
condicionante também não respaldaria restrições ao usufruto exclusivo dos
índios porque estaria relacionada apenas à necessidade de submeter uma
atividade que explora recursos da União à autorização de órgão federal
competente.
Consulta
Em
reunião com a Foirn, Padre Tom afirmou que não caberia ao Congresso Nacional
fazer consulta sobre o projeto de lei, conforme determina a Convenção 169 da
OIT (Organização Internacional do Trabalho). Para o parlamentar, é o governo
quem tem de realizar as oitivas. De acordo com o deputado, o entendimento que
prevalece na comissão é o de que uma consulta pelo Parlamento deveria ser feita
já para autorizar a exploração de acordo com o que determina o Artigo 231 da
CF.
A
Constituição, porém, define que isso deve ser feito só depois que uma lei
específica regulamentando o tema for aprovada. Por outro lado, a Convenção 169
da OIT é clara ao determinar que as populações indígenas devem ser consultadas
tanto sobre medidas administrativas, referentes ao Poder Executivo, quanto
medidas legislativas, referentes ao poder legislativo. A consulta prévia foi o
tema da primeira oficina que o governo federal realizou em março deste ano com
indígenas de todo o País. ( saiba mais).
O
procurador Eloi Francisco Zatti Faccioni alertou que o PL deve regulamentar a
mineração em TIs como uma atividade excepcional, a ser realizada no interesse
nacional.
Para
ele, a proposta deve garantir a consulta aos afetados antes do Congresso
autorizar a atividade, caso a caso. Também precisa contemplar a recuperação de
áreas degradadas, compensação pelo uso do solo, medidas de fiscalização da
atividade mineral, controle social por parte das comunidades e representações
indígenas
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