quinta-feira, 31 de maio de 2012

SEREJO: De feriados antigos

 Data: 23 maio 2012 - Hora: 20:18 - Por: Vicente Serejo

Tudo se transforma, até nossos amores por santos e figuras históricas, Senhor Redator. Quando o Estado não era laico e os reis uma invenção de Deus, a Igreja era a grande aliada nas prédicas e práticas do exercício do poder. Com o tempo, os poderosos foram deixando as sacristias, onde viviam à sombra da mitra e sob a proteção do báculo, e tomaram as ruas na busca da consagração popular. A partir daí, foram outros os heróis e outros os seus túmulos, como se o povo fosse agora o novo deus dos líderes.

 A gente sabe que apesar do aviso de Friedrich Nietzsche – Deus está morto! – não foi uma morte física que o gênio alemão anunciou. Nem a de Jesus Cristo, mesmo depois de padecer e morrer na cruz. Estavam mortos os fundamentos que sustentavam não a Deus, mas a sua crença. Ora, se nós o matamos, o Deus que tanto tempo utilizamos como justificativa para todas as coisas do mundo, não seria dele que esperaríamos o milagre da vida, mas do livre arbítrio humano como força geradora de novos destinos.

Lembrei da morte nietzschiana de Deus, Senhor Redator, lendo um pequeno livrinho que há anos e anos anda por aqui, com o título ingênuo e popular de ‘Novo Almanaque de Lembranças’, o que revela a existência de alguma edição mais antiga. É menor que um livro de bolso, pois cabe numa mão. E na sua nobre singeleza andrajosa, está encadernado em capa dura, papel marmorado, dorso e cantos em percalina carmim, e douração na lombada que vai ficando esmaecida pelo tempo velho de manuseio.

Tem quase quatrocentas páginas, se contados os índices, foi impresso em 1929 para o ano de 1930, e ‘adornado de gravuras, enriquecido com muitas matérias de utilidade pública, e com o retrato e a biografia do falecido escritor Jackson de Figueiredo’. Vale dizer, se ainda é de envaidecer, que Jackson é autor de um ensaio sobre Auta de Souza, impresso na Typographia Annuario do Brasil, Rio, Centro D. Vital, julho de 1924, cinco anos antes de sua morte trágica ao afogar-se no mar diante do próprio filho.

 Isso tudo é só pra dizer que pelo menos até aquele ano, segundo consta às páginas 133 a 135, os feriados históricos desta aldeia eram poucos e justos: 9 de março, instalação do governo republicano de André de Albuquerque Maranhão em 1817; 7 de abril, promulgação da Constituição; e 12 de junho, a morte do Padre Miguel Joaquim de Almeida Castro, o Frei Miguelinho, que em 1817 teve suas idéias libertárias arcabuzadas em Recife, ele que para viver bastaria negar a assinatura onde faltava um ‘o’.

 Hoje, Senhor Redator, nenhuma dessas datas é reverenciada pelo povo desta velha aldeia. Ora, quanto mais guardá-las. Os nossos legisladores, descomprometidos que são com a nossa história, nos empanturraram de outros feriados mais modernos, dia disto e dia daquilo, e ficamos assim, sem noção do tempo de quatro séculos que vivemos. E não há jeito. É aceitar nosso destino vil e vulgar, e entregar a Deus o futuro que nos aguarda. Tem ai mais um século e já estamos vivendo de delações premiadas.

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