No futuro, o Conselho de Segurança, núcleo
institucional da ONU, deveria contar com não cinco, mas uma dezena de membros
permanentes com direito de veto, entre os quais Índia, Brasil, Japão, Nigéria e
África do Sul.
A qual “comunidade” se referiam os dirigentes
políticos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) quando obrigaram
Belgrado a aceitar todas as condições exigidas pela “comunidade internacional”?
À comunidade encarnada pela ONU ou apenas àquela formada pela Aliança
Atlântica? Por sucessivos deslizes, os discursos oficiais ocidentais relacionam
a Otan a instituições multilaterais e confundem as decisões da aliança com uma
equivocada vontade universal. Não é difícil notar a utilidade instrumental
dessa assimilação, sobretudo por parte daqueles que desejam se libertar de um
sistema multilateral inoportuno, principalmente porque já não esconde o
significado dessa “comunidade internacional”.
O afastamento da ONU na gestão da crise no Kosovo
reavivou a desconfiança em relação à vontade de dominação do Ocidente em vários
países destinados a desempenhar um papel importante no cenário mundial. É o
caso da Rússia, mas também da China, da Índia, do Vietnã e da África do Sul.
Todos esses Estados, dos quais três são potências nucleares, manifestaram-se
aberta e até violentamente contra os bombardeios da Otan e denunciaram uma ação
levada adiante, sem a anuência da ONU e do Conselho de Segurança.
Assim, contrariamente ao papel pouco ativo durante a
Guerra do Golfo de 1991, Pequim tomou a atitude de solicitar à Otan a
“interrupção imediata de suas ingerências militares”.1 O governo
indiano declarou em 25 de março de 1999 que, “mesmo que as medidas tenham sido
tomadas no contexto de iniciativas regionais, tais ações multilaterais
conduzidas sem a autorização formal do Conselho de Segurança da ONU abalam
gravemente a autoridade do sistema das Nações Unidas em seu conjunto”.2
O Times of India figurava como porta-voz da doutrina oficial de Nova
Déli quando publicou, no fim de março de 1999, que “a mensagem ao resto do
mundo é perfeitamente clara. Os Estados Unidos e seu dócil instrumento, a Otan,
podem, hoje, intervir militarmente em qualquer outra nação que não possua
mísseis de longo alcance nem capacidades nucleares”.3
Enfim, durante visita à Hungria no início do mês de
maio, o presidente sul-africano, Nelson Mandela, qualificou de “irresponsável”
a decisão dos dirigentes ocidentais de contornar o Conselho de Segurança.
Denunciou firmemente os “crimes do regime de Belgrado”, mas acusou a Otan de
fazer “precisamente o que fez Milosevic” ao “assassinar civis e destruir a
infraestrutura e as pontes da Iugoslávia”.4
Essas duas reações não podem ser interpretadas
unicamente à luz dos problemas políticos internos desses países. Com razão,
China e Índia temem que o precedente possa significar a internacionalização de
conflitos com origem em reivindicações pela autodeterminação. A primeira é
confrontada às tendências centrífugas no Tibete e Xinjiang e à questão taiwanesa.
A segunda, ao problema da Caxemira. A atitude mais que reservada da Indonésia –
que, no entanto, representa o maior país muçulmano do planeta – em relação à
intervenção da Otan e sua insistência para que seja preservada a integridade
territorial da federação iugoslava se explicam pela preocupação de manter a
frágil unidade do arquipélago.5
Contudo, como sublinhou Mandela, a marginalização
da ONU leva a questionar a futura gestão da sociedade internacional, o papel
dessa organização na prevenção e regulação de conflitos e a situação do
Conselho de Segurança. Chineses, indianos, russos e sul-africanos entraram em
acordo para reivindicar uma saída para a crise pilotada pela ONU, e não pela
Otan.
O fato merece ser ressaltado, pois acontece também
em muitos outros países, inclusive entre os aliados tradicionais dos Estados
Unidos na Ásia Oriental. Sem criticar abertamente a Otan, estes últimos
acreditam que o precedente possa justificar, no futuro, ações unilaterais por
parte de seus grandes vizinhos regionais. É daí que vem o “mal-estar do Japão,
da Coreia do Sul e das Filipinas [...] em relação à intervenção da Otan”.6
Enfraquecidos pela crise econômica, os países da Ásia e do Sudeste Asiático
temem particularmente os tropismos de poder da China (haja vista as tensões no
mar do sul da China). A lista de potenciais candidatos a uma intervenção
unilateral sobre o planeta não se restringe a esta última, mas a todas as
potências médias em suas respectivas zonas de influência.
Fazer renascer a ONU e restaurar a primazia de uma
instituição já fortemente fragilizada no que se refere à solução de conflitos
internacionais seriam grandes desafios do pós-guerra. No futuro, o Conselho de
Segurança, núcleo institucional da ONU, deveria contar com não cinco, mas uma dezena
de membros permanentes com direito de veto (entre os quais Índia, Brasil,
Japão, Nigéria e África do Sul). Essa democratização tão esperada do conselho
modificaria sensivelmente o cenário institucional internacional – supondo que a
ONU ainda faça algum sentido e que a ação do conselho não se limite a defender
unicamente os interesses das grandes potências.
Philip S. Golub é professor associado do
Instituto de Estudos Europeus da Universidade Paris 8.
1 Xinhua, Pequim, 6 maio 1999.
2 Declaração do Ministério de Relações Exteriores em Nova Déli.
3 Citado por Françoise Chipaux, em “L’Inde hostile aux frappes de l’Otan” [Índia hostil aos ataques da Otan], Le Monde, 3 abr. 1999. A Índia reagiu a um tiro de míssil balístico de médio porte em meados de abril seguinte.
4 Citado em Business Day, Johannesburgo, 4 abr. 1999.
5 Cf. a crônica de Hélène da Costa, “Les réticences asiatiques” [As reticências asiáticas], Radio France Internationale (RFI), Paris, 5 abr. 1999.
6 Hélène da Costa, “Le spectre de la Chine” [O espectro da China], RFI, 6 maio 1999.
2 Declaração do Ministério de Relações Exteriores em Nova Déli.
3 Citado por Françoise Chipaux, em “L’Inde hostile aux frappes de l’Otan” [Índia hostil aos ataques da Otan], Le Monde, 3 abr. 1999. A Índia reagiu a um tiro de míssil balístico de médio porte em meados de abril seguinte.
4 Citado em Business Day, Johannesburgo, 4 abr. 1999.
5 Cf. a crônica de Hélène da Costa, “Les réticences asiatiques” [As reticências asiáticas], Radio France Internationale (RFI), Paris, 5 abr. 1999.
6 Hélène da Costa, “Le spectre de la Chine” [O espectro da China], RFI, 6 maio 1999.
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