terça-feira, 30 de outubro de 2012

Souza Leão: A praça é do lavador


No Parnamirim, fim de tarde, compro uma revista e vou comer empada com cafezinho expresso no Bar do Neno

Joca Souza Leão

Meu amigo Plínio Duque escreveu à redação daqui do JC se queixando da lavagem de carros na rua. No Rosarinho, na pracinha da General Abreu e Lima, e na Praça do Parnamirim. Plínio tinha toda razão. Tá uma zona!

Sou, confesso, freguês das duas. No Rosarinho, deixo o carro lá e vou cortar cabelo com Tânio na esquina. No Parnamirim, fim de tarde, compro uma revista e vou comer empada com cafezinho expresso no Bar do Neno. Mão na roda! Quando volto, o bicho tá no grau. Shampoo, polimento com Carnu (que meu irmão Caio não gosta, pois Catita, um especialista, disse que é abrasivo), bomba de flit com diesel nas rodas e não sei o que nos pneus (ficam pretinhos que só!), tapetes e aspirador, inclusive no porta-malas. Tudo, 15 pratas. Em qualquer lava a jato por aí é 35. E no da Rosa e Silva, em frente ao Pão de Açúcar, 70.

Se o céu é do condor e a praça é do lavador, qual o problema, então? A zona! Carros estacionados por todo canto (em locais proibidos, inclusive), baldes e materiais espalhados, aguaceiro... praças degradadas. E se a coisa continuar nessa pisada, daqui a pouco a zona vai estar por todo canto, em toda a cidade.

O que sempre se coloca nessas situações é “o leite dos meninos” versus a deterioração do espaço urbano. E o argumento: “Melhor trabalhar do que roubar”. Mas, por aí, justificar-se-ia tudo, da cafetinagem ao narcotráfico. E você, leitor, é testemunha: sempre lutei pela preservação do espaço urbano.

O fato real e concreto, no entanto, é que a prefeitura pode até proibir, mas pode fiscalizar? Duvido! Os camelôs que o digam (acabaram de reocupar a 7 de Setembro e entorno dos mercados de São José e Casa Amarela). Viável, enquanto é tempo – e a praga não se alastra –, talvez seja regular, estabelecer normas e locais. A pracinha do Parnamirim, mesmo, tá mais pra girador do que pra praça. Já a de Casa Forte, nem pensar em lavadores por lá!

Atualmente, a zona funciona assim. Cada praça tem um dono. E o dono é dono do macaco que puxa eletricidade do poste e de todo o material: aspirador, cera, baldes, tudo. O lavador fica com 60%, e ele, o dono, com 40. “O dono daqui tem mais duas”, disse um lavador.

Seguinte. Antes de tudo, fim da informalidade. A prefeitura cadastra e registra os caras como autônomos. Pagando ISS, rateando despesas e tudo mais. Bata, quepe e crachá. Locais demarcados (pintados no asfalto), torneiras (com hidrômetro da Compesa), tomadas elétricas (com medidor da Celpe) e por aí vai. Nada de graça.

Claro que se a coisa for disciplinada, o dono dança. Mas os lavadores topariam na hora. E como beneficiários, seriam os guardiões das regras. Lavar e polir eles sabem. Só têm que aprender o resto. Cidadania, inclusive.

“A praça é do povo! / como o céu é do condor. (...) / Desgraçada populaça / Só tem a rua de seu...”, nos ensinou Castro Alves, na esperança de que aprendêssemos.


P.S. – Em relação à última crônica, Rosebud, Homero Fonseca, David Hulak, Ronald Guimarães, Everardo Maciel, Vera Cristina Bandeira, Pedro Crisóstomo Jr., Francis Souto, Sylvia C. Cunha e Rosana Bastos Piquet (além de três leitores que enviaram apenas seus endereços eletrônicos) escreveram se referindo a rosebud como o nome ou a marca do trenó de Kane quando menino ou, simplesmente, traduzindo a palavra, botão de rosa. No filme, no entanto, o repórter tenta – e não consegue – desvendar o porquê da citação (não o significado da palavra). E apenas nós, espectadores, vemos o trenó – e lemos o nome/marca – que é queimado na lareira. A ser verdadeira a versão de Mankiewicz – que eu acho que é –, o sarcástico Orson Welles tirou um sarro do apelido que Hearst deu ao clitóris da amante. Daí seu ódio, ainda maior, ao filme e a Welles.

Joca Souza Leão é cronista

 

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