segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Serejo: Da solidão

Por: Vicente Serejo

Não tomei como provocação quando dia desses um velho conhecido acusou esta alma do que ele mesmo chamou de desaparecida. Juro que não. Ora, já fui chamado de tudo nesse mundo de afetos e desafetos. Nada guardei. Nem os elogios, e são poucos; nem as críticas, que são fartas. Não tenho tanto espaço assim nos salões da alma. Uma coisa não gostaria Senhor Redator, depois de quase meio século de jornalismo: ser visto como alma amestrada, dessas que servem para adornar a sala de jantar.

Hoje acredito que é possível viver a solidão sem mágoa. Aprendi lendo Ferreira Gullar. Outro dia, encontrei num artigo de José Castelo como foi seu encontro com Adolfo Bioy Casares em 1990. E descobri que a solidão tem um lado bom. Ele já tinha mais de oitenta anos quando recebeu Castelo. Cercado dos cuidados de enfermeiras carrancudas. Passava as manhãs escrevendo e as tardes quase prisioneiro do próprio quarto, mas recebia todas as visitas bem vestido, na sala, de gravata de seda.

Vendo aquele homem sozinho, cercado de livros e enfermeiras que se revezavam ao longo de cuidados atenciosos, sentiu que ali também morava uma grande solidão. E então perguntou como fazia para resistir. Casares respondeu para surpresa sua: ‘A solidão não se combate, a solidão acompanha’. A seguir, puxou da gaveta um pequeno conto: ‘Uma porta se entreaberta’. Castelo então leu a história de um homem que vivia num quarto, visitava o hipódromo todos os dias, e estudava genealogia.

Para Bioy Casares – Castelo lembra ter ouvido e anotado na sua caderneta de viagem – ‘um escritor nunca está sozinho’. É preciso a solidão para estar acompanhado. É que as fantasias, explicou, não aparecem em estádios, avenidas, lugares da moda. É Castelo quem observa: ‘A solidão – o conto nos leva a ver – é condição fundamental para a presença da fantasia’. Uma coisa leva à outra e Castelo lembra Paul Auster quando confessa que precisa ficar sozinho para manter as relações com os outros.

Depois, ele lembra ser a solidão essencial a quem deseja ouvir: ‘Um escritor só escuta quando não tem ninguém por perto que o aborreça. Repete-se aqui a estratégia dos fantasmas que só aparecem em noites escuras ou em casas abandonadas’. Para Castelo, só alguns conseguem acessar a solidão em lugares barulhentos. E cita Nelson Rodrigues que parecia de repente se ausentar de tudo quando começava ao escrever na redação de O Globo. No barulho das máquinas de escrever e das conversas.

Cronista não é escritor. É só cronista. Nasce e vive no barulho das redações. Só quando fui ficando velho senti o desejo da solidão bater à porta. Quando já estava preparado para recebê-la. Com o tempo, a alma aprende a não viver de circunstâncias. Ou, como escreve Castelo, a dispensar os apelos da vida real. Seria a mesma que acompanhava Adolfo Bioy Casares? Talvez. E chega como se fosse tão íntima que é como se não fosse. Para lembrar a lição do verso do poeta Vinícius de Morais.

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