sábado, 27 de outubro de 2012

Serejo: Marketing literário – final


Por Vicente Serejo

Não é com a moeda pobre do arremedo, Senhor Redator, que se compra a glória. E basta lançar os olhos sobre as prateleiras de qualquer biblioteca razoável de autores nascidos nesta aldeia, ou aqui vividos, para se constatar o quanto fomos melhores no passado. Num tempo de conquistas difíceis e consagrações intelectuais quase impossíveis, quando o silêncio e a solidão cercavam estas dunas. Só a força da inteligência venceu esse rio, esse mar e esses morros em mágicas viagens e circunavegações.

Ouço o bruxo na sua voz rascante e nisto ele tem razão. Auta de Souza, Henrique Castriciano e Segundo Wanderley estão em algumas das mais importantes antologias poéticas de seu tempo, só para fixar aquelas primeiras décadas do século passado. Nos primeiros anos da década de vinte nosso Jorge Fernandes teve abrigo nas revistas do Modernismo, e nem bem terminava a década de trinta, Câmara Cascudo levava ao Brasil, pela editora Globo, o aboio dos vaqueiros e a cantoria dos seus cantadores.

Fomos presença erudita nas grandes coleções. Na Brasiliana, Cascudo publicou o Conde D’Eu e Marquês de Olinda; traduziu as viagens ao Brasil do inglês Henri Koster e a História da Alimentação no Brasil, em dois volumes, um clássico insuperável até hoje. Rodolfo Garcia brilhou nas anotações à História do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, e na Coleção Documentos Brasileiros, da J. Olympio, deixou a marca singular da História Administrativa do Brasil.

João Chaves, há um século, lançou o primeiro tratado em língua portuguesa sobre criminologia depois de visitar bibliotecas de velhos mosteiros e universidades do mundo. Garibaldi Dantas e Jaime Adour da Câmara visitaram longínquos países do Oriente e publicaram os seus relatos na consagradora Companhia Editora Nacional. E o grande Seabra Fagundes ensinou ao Brasil, antes de ser Ministro da Justiça de Café Filho, o Controle dos Atos do Poder Executivo pelo Judiciário em edições nacionais.

A convite de Saldanha Coelho, Octacílio Alecrim ensinou ao Brasil, na Revista Branca, a ser leitor de Proust, ele que foi o primeiro a estudar a influência francesa na concepção constitucional brasileira. A Pongetti lançou Os Brutos, o romance de José Bezerra Gomes inaugurador do ciclo do algodão no regionalismo. E o Ministério da Educação publicou três edições do Dicionário do Folclore Brasileiro e os dois maiores ensaios etnográficos de Câmara Cascudo – Jangada e Rede de Dormir.

Por onde andamos Senhor Redator, esses anos todos, e tão perdidamente, desde que a nossa grande geração de intelectuais desapareceu? Que nem sequer vencemos a soleira da sala de jantar das nossas casas, empanturrados? Seria a literatice fashion que entrou em moda? E nossos críticos literários, tão de araque, no velho e prosaico tricô de suas apologias, rasgando seda uns para os outros? O que nos deixarão, além dos seus egos, quando um dia essa noite tão escura passar? Quando virá uma nova e clara madrugada?

 

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