Por Vicente Serejo
Não é com a moeda
pobre do arremedo, Senhor Redator, que se compra a glória. E basta lançar os
olhos sobre as prateleiras de qualquer biblioteca razoável de autores nascidos
nesta aldeia, ou aqui vividos, para se constatar o quanto fomos melhores no
passado. Num tempo de conquistas difíceis e consagrações intelectuais quase
impossíveis, quando o silêncio e a solidão cercavam estas dunas. Só a força da
inteligência venceu esse rio, esse mar e esses morros em mágicas viagens e
circunavegações.
Ouço o bruxo na sua
voz rascante e nisto ele tem razão. Auta de Souza, Henrique Castriciano e
Segundo Wanderley estão em algumas das mais importantes antologias poéticas de
seu tempo, só para fixar aquelas primeiras décadas do século passado. Nos
primeiros anos da década de vinte nosso Jorge Fernandes teve abrigo nas
revistas do Modernismo, e nem bem terminava a década de trinta, Câmara Cascudo
levava ao Brasil, pela editora Globo, o aboio dos vaqueiros e a cantoria dos
seus cantadores.
Fomos presença
erudita nas grandes coleções. Na Brasiliana, Cascudo publicou o Conde D’Eu e
Marquês de Olinda; traduziu as viagens ao Brasil do inglês Henri Koster e a
História da Alimentação no Brasil, em dois volumes, um clássico insuperável até
hoje. Rodolfo Garcia brilhou nas anotações à História do Brasil, de Francisco
Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, e na Coleção Documentos
Brasileiros, da J. Olympio, deixou a marca singular da História Administrativa
do Brasil.
João Chaves, há um
século, lançou o primeiro tratado em língua portuguesa sobre criminologia
depois de visitar bibliotecas de velhos mosteiros e universidades do mundo.
Garibaldi Dantas e Jaime Adour da Câmara visitaram longínquos países do Oriente
e publicaram os seus relatos na consagradora Companhia Editora Nacional. E o
grande Seabra Fagundes ensinou ao Brasil, antes de ser Ministro da Justiça de
Café Filho, o Controle dos Atos do Poder Executivo pelo Judiciário em edições
nacionais.
A convite de
Saldanha Coelho, Octacílio Alecrim ensinou ao Brasil, na Revista Branca, a ser
leitor de Proust, ele que foi o primeiro a estudar a influência francesa na
concepção constitucional brasileira. A Pongetti lançou Os Brutos, o romance de
José Bezerra Gomes inaugurador do ciclo do algodão no regionalismo. E o
Ministério da Educação publicou três edições do Dicionário do Folclore
Brasileiro e os dois maiores ensaios etnográficos de Câmara Cascudo – Jangada e
Rede de Dormir.
Por onde andamos Senhor Redator, esses anos todos, e tão perdidamente,
desde que a nossa grande geração de intelectuais desapareceu? Que nem sequer
vencemos a soleira da sala de jantar das nossas casas, empanturrados? Seria a
literatice fashion que entrou em moda? E nossos críticos literários, tão de
araque, no velho e prosaico tricô de suas apologias, rasgando seda uns para os
outros? O que nos deixarão, além dos seus egos, quando um dia essa noite tão
escura passar? Quando virá uma nova e clara madrugada?
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