sábado, 13 de outubro de 2012

Serejo: Agosto

Por: Vicente Serejo

Os agostos de hoje, Senhor Redator, são feitos de alegria. Como no marketing do governo. No meu tempo de menino, fazia medo. A superstição da minha mãe plantava em nós a certeza de que agosto era mês de desgostos. Temíamos os maus presságios. Só muitos anos depois, descobri o livro de Câmara Cascudo – ‘Superstições e Costumes’ – na velha edição Antunes, de 1958, a sobrecapa com a gravura de Oswaldo Goeldi – aquele homem de guarda-chuva vermelho caminhando, sozinho, numa noite escura.

Agora os agostos não são mais aziagos. O tempo adoçou os seus ventos. Supersticioso, do tipo que só saía de casa depois de molhar os cabelos com água de colônia Alfazema, e levando o terço de padre João Maria no bolso, Cascudo não deixaria de registrar os medos do oitavo mês do ano. Ele sabia do texto de Pereira da Costa no seu clássico e centenário Folclore Pernambucano. O grande pesquisador já avisava ser o mês do mau agouro para casamentos, mudanças e quaisquer novos empreendimentos.

É verbete na primeira letra do Dicionário do Folclore Brasileiro com achegas pesquisadas desde a cultura popular argentina aos Violeiros do Norte, do cearense Leonardo Motta. Livro que mereceu um longo, belo e lírico prefácio de Câmara Cascudo. Só comparável ao seu ‘Vaqueiros e Cantadores’, 1939, edição Globo, o primeiro grande título a projetá-lo e consagrá-lo nacionalmente. A primeira guerra mundial, não esqueça, explodiu em agosto de 1914, o mês que fazia tanto medo a Santos Dumont.

Aqui, neste mar antigo, Senhor Redator, além das abusões anotadas por Raimundo Nonato nos seus dois volumes, nada há de novo nesta beira de mar. Os dias de agosto chegam com ventos macios que depois vão dando lapadas no meio da tarde. Manhãs de ventos brandos, amansados por um sol lavado de chuva que vai lento, aquecendo as ruas e becos desta pobre vila de pescadores. No mais, um mundo quieto, acalmado pelo deserto desse tempo de inverno, de casas adormecidas e janelas apagadas.

Algumas manhãs chegam cinzentas e tristes e só nas horas altas do dia o sol começa a arder nos longes do mundo. Quando vem cedo, nasce aqui no alto da Fortaleza dos Reis Magos, e de lá mesmo flameja seus primeiros raios, saudados por uma pobre sinfonia de pardais, lavadeiras, bem-te-vis e das últimas andorinhas que ainda vivem aqui. Muito raramente uma garça fugida das gamboas dos mangues vem com sua brancura tingir de paz a luminosa manhã na beira do rio embalado nas doces marolas.

Quando o sol vem cedo e aquece esse mundo daqui, a natureza ensaia uma orquestração. Os bichos escramuçam, afugentando a murrinha do sono. A matilha alegre dos vira-latas festeja o dia nas ruas desertas; uns cavalos tristes passam a caminho dos terrenos forrados do capim que reverdeceu com as chuvas. A maria-farinha, albina e sem graça, passeia na areia fofa da praia; os galos ficam mudos nos quintais e os gatos, de olhos acesos, esperam os peixes que chegam na rede. É a vida que renasce.

 

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