Os agostos de hoje, Senhor Redator, são feitos de
alegria. Como no marketing do governo. No meu tempo de menino, fazia medo. A
superstição da minha mãe plantava em nós a certeza de que agosto era mês de
desgostos. Temíamos os maus presságios. Só muitos anos depois, descobri o livro
de Câmara Cascudo – ‘Superstições e Costumes’ – na velha edição Antunes, de
1958, a sobrecapa com a gravura de Oswaldo Goeldi – aquele homem de
guarda-chuva vermelho caminhando, sozinho, numa noite escura.
Agora os agostos não são mais aziagos. O tempo
adoçou os seus ventos. Supersticioso, do tipo que só saía de casa depois de
molhar os cabelos com água de colônia Alfazema, e levando o terço de padre João
Maria no bolso, Cascudo não deixaria de registrar os medos do oitavo mês do
ano. Ele sabia do texto de Pereira da Costa no seu clássico e centenário
Folclore Pernambucano. O grande pesquisador já avisava ser o mês do mau agouro
para casamentos, mudanças e quaisquer novos empreendimentos.
É verbete na primeira letra do Dicionário do
Folclore Brasileiro com achegas pesquisadas desde a cultura popular argentina
aos Violeiros do Norte, do cearense Leonardo Motta. Livro que mereceu um longo,
belo e lírico prefácio de Câmara Cascudo. Só comparável ao seu ‘Vaqueiros e
Cantadores’, 1939, edição Globo, o primeiro grande título a projetá-lo e
consagrá-lo nacionalmente. A primeira guerra mundial, não esqueça, explodiu em
agosto de 1914, o mês que fazia tanto medo a Santos Dumont.
Aqui,
neste mar antigo, Senhor Redator, além das abusões anotadas por Raimundo Nonato
nos seus dois volumes, nada há de novo nesta beira de mar. Os dias de agosto
chegam com ventos macios que depois vão dando lapadas no meio da tarde. Manhãs
de ventos brandos, amansados por um sol lavado de chuva que vai lento,
aquecendo as ruas e becos desta pobre vila de pescadores. No mais, um mundo
quieto, acalmado pelo deserto desse tempo de inverno, de casas adormecidas e
janelas apagadas.
Algumas manhãs chegam cinzentas e tristes e só nas
horas altas do dia o sol começa a arder nos longes do mundo. Quando vem cedo,
nasce aqui no alto da Fortaleza dos Reis Magos, e de lá mesmo flameja seus
primeiros raios, saudados por uma pobre sinfonia de pardais, lavadeiras,
bem-te-vis e das últimas andorinhas que ainda vivem aqui. Muito raramente
uma garça fugida das gamboas dos mangues vem com sua brancura tingir de paz a
luminosa manhã na beira do rio embalado nas doces marolas.
Quando o sol vem cedo e aquece esse mundo daqui, a
natureza ensaia uma orquestração. Os bichos escramuçam, afugentando a murrinha
do sono. A matilha alegre dos vira-latas festeja o dia nas ruas desertas; uns
cavalos tristes passam a caminho dos terrenos forrados do capim que reverdeceu
com as chuvas. A maria-farinha, albina e sem graça, passeia na areia fofa da
praia; os galos ficam mudos nos quintais e os gatos, de olhos acesos, esperam
os peixes que chegam na rede. É a vida que renasce.
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