Por Vicente Serejo
Só sinto
falta de ser rico, Senhor Redator, quando descubro que sou pobre para realizar
pequenos desejos. Os grandes, sinceramente, não frustram. Já sei, desde menino,
que eles são impossíveis. Difícil é ser derrotado nas pequenas coisas. E se é
preciso citar um exemplo: não ter escritório em São Paulo, Rio ou Recife com
uma secretária eficientíssima que todos os dias, muito cedo, fizesse chegar ao
correio mais próximo um sedex desse mais caro e rápido, só com os jornais do
dia e as revistas que não circulam aqui.
De
jornal, confesso, tenho até dependência química. Do cheiro da tinta, das mãos
sujas, do prazer de abrir caderno a caderno sempre na mesma ordem. De anotar na
capa, como se lá já não estivessem suas chamadas, o que será recortado depois.
Enfiá-los nos livros, se já existem aqui. Ou deixá-los a um canto, sobre a
mesa, a espera que cheguem. Ou sobre assuntos de velhos e antigos interesses
que muitas vezes se renovam com as inevitáveis novidades desses tempos modernos
que nem sempre agradam ao coração.
É tanto
que quando os amigos anunciam viagens rápidas a Recife, Rio ou São Paulo, faço
sempre a mesma pergunta indiscreta: Volta quando? Ora, se volta no domingo ou
segunda, escondo a vergonha num desvão da alma e faço um pedido: traga o
Estadão e o Globo de sábado e domingo. De sábado, por razões óbvias: os
cadernos literários ‘Sábado’ e ‘Prosa e Verso’. Domingo, porque é domingo e
nada pode ser melhor nesse mundo do que esperar os netos na leitura farta dos
jornais numa rede preguiçosa.
Alguns,
principalmente os normais, dirão que é mania besta. Que seja. Cada um tem sua
cocaína preferida. A minha é o jornal. Seja de onde for e onde estiver. Não
leio tudo, absolutamente tudo, e até acho que seria esquizofrenia. Tenho meus
lugares de prosa. Passo os olhos nos três jornais de Mossoró, em todos os de
Natal e sou assinante diário, há anos e anos, da Folha de S. Paulo. Metido
nesse oco de mundo e longe de tudo, não se tem mais o Globo e o Estadão, daí a
frustração desses desejos medonhos.
E tem
mais, Senhor Redator: tenho resistido até aqui a profanar meu vício com a
leitura através da Internet. Sei que perco muito com isso, mas sou um
dinossauro com uma alma que tem alguns milhões de anos, e vaidosa da minha
tradição rupestre. Qual o prazer em pregar os olhos numa tela, sem as páginas
de papel, e aquelas linhas subindo e descendo, deixado o olhar zarolho, sem
conforto de grifar, recortar, guardar para sempre? Como não dobrá-los, levá-los
a toda parte, com um resto de sabor para amanhã?
No
domingo que passou foi assim. Um amigo voltou de uma viagem a São Paulo e
Brasília com as mãos cheias de jornais. Veio no voo que chega de madrugada.
Ora, ainda escuro desci até a portaria do edifício a procura dos jornais.
Confesso: fui egoísta, Senhor Redator.
Tão guloso que juntei tudo,
peguei o carro e sai cedinho na direção da Redinha. Ainda na garagem, avisei a
Iranilson, caseiro que toma conta daquele pedaço de mar: chego já. E naquela
manhã, na minha rede fui o homem mais rico do mundo.
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