sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Serejo: saúde e culpa


 
Por Vicente Serejo
A pesquisa não foi com todas as especialidades, nem mesmo as essenciais. Foi encomendada pelo Datafolha pela Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, mas tem a força de um paradigma para se medir o argumento oportunista e corporativista dos hospitais quando citam como bons exemplos os planos de saúde privados contra a Unimed. Aquele arremedo de silogismo, fruto da peripécia cerebral, ao argumentar o descredenciamento compulsório do médico que abusa na solicitação de exames.

Não fosse por si só falacioso o argumento já seria simplório e enganador quando quer consagrar de forma velada um modelo que desconsidera os direitos do paciente. Quem pretender ganhar dinheiro e auferir bons lucros de forma simples e sem riscos não deve buscar essa facilidade na prestação de serviços de assistência à saúde. Talvez mais indicado fosse um banco ou algo da esfera financeira do que a vida humana na sua imprevisibilidade do direito à vida, num fio de esperança, de vencer a dor e a doença.

Ninguém pode perder de vista a diferença entre planos de saúde privados, aqueles essencialmente empresariais, de uma cooperativa de médicos. Pode não haver diferença de objetivo e até de preços, se for o caso, mas a natureza não é a mesma. Na empresa privada há o detentor ou o grupo detentor que sequer precisa ter formação médica, apenas o mando de capital. Na cooperativa médica, todos os seus sócios médicos que elegem a diretoria que gerencia receita e despesa e distribui a sobra com seus associados.

Claro que essa sobra será maior ou menor – e pode até não haver – a depender dos níveis de receita e despesa a partir do gerenciamento. Não basta elevar a receita criando alternativas para todas as faixas de clientelas. É preciso também gerenciar a despesa dos próprios custos administrativos, exames e serviços hospitalares, e estes são os itens mais caros. Só depois, na sobra final, é aplicado o que cooperativismo chama de pró-rata, ou seja, o rateio da sobra entre os sócios a partir do valor único de consulta para todos.

Na empresa privada o controle de mando é fácil: o médico que insistir em solicitar muitos exames a cada paciente, necessários ou não, é advertido e se não atender é afastado. Na cooperativa, cada médico é sócio. Um dono a quem não é fácil advertir e afastar. Como o cliente do plano não é um cooperado, paga para garantir seus direitos, mas sem voz e sem voto. Não é a ele, portanto, que cabe reclamar dos abusos ou da má gestão. Dos preços de urgência, emergência, das cirurgias e dos tratamentos intensivos.

Os hospitais reclamam, agora com o abuso inominável de um movimento paredista que suspendeu a urgência sem aviso prévio, transformando cada cliente na bucha de canhão da guerra ilegal e injusta que precisou ser punida pela Justiça. Como se ao cliente que paga sua parte, sem voz e sem voto, pudesse ser cobrada a má gestão do plano, os preços exorbitantes ou não dos exames sofisticados, das urgências, das cirurgias e das diárias das unidades de terapia intensiva, tudo quanto não decide nem sequer conhece.

Mais estranho ainda é ouvir o discurso de uns e outros. Os donos de hospitais privados elogiam o sistema dos planos privados que advertem, cortam e afastam médicos compulsoriamente comprometendo a qualidade técnica e científica do atendimento médico como mostra a pesquisa do Datafolha no caso dos ginecologistas. E dos defensores da Unimed que sussurram aqui e ali os abusos praticados pelos hospitais, além de médicos que drenam para suas próprias clínicas ou a ele ligadas, exames caros e dispensáveis.

A conclusão a que se pode chegar das alegações de cada lado dessa luta velada, salvo melhor juízo, é a mais simples e talvez a mais prosaica possível: na cooperativa o problema dos médicos são os médicos. Se todos são médicos e cooperados, sócios do mesmo caixa – os clínicos, donos de clínicas e dos hospitais – só eles poderão enfrentar eles mesmos. Se antes, separados como vivem hoje pela ambição, não forem tragados pelo velho desejo de lucro dos fortes que são poucos sobre os fracos que são muitos.

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