Por Vicente Serejo
A
pesquisa não foi com todas as especialidades, nem mesmo as essenciais. Foi
encomendada pelo Datafolha pela Associação de Ginecologia e Obstetrícia do
Estado de São Paulo, mas tem a força de um paradigma para se medir o argumento
oportunista e corporativista dos hospitais quando citam como bons exemplos os
planos de saúde privados contra a Unimed. Aquele arremedo de silogismo, fruto
da peripécia cerebral, ao argumentar o descredenciamento compulsório do médico
que abusa na solicitação de exames.
Não fosse
por si só falacioso o argumento já seria simplório e enganador quando quer
consagrar de forma velada um modelo que desconsidera os direitos do paciente.
Quem pretender ganhar dinheiro e auferir bons lucros de forma simples e sem
riscos não deve buscar essa facilidade na prestação de serviços de assistência
à saúde. Talvez mais indicado fosse um banco ou algo da esfera financeira do
que a vida humana na sua imprevisibilidade do direito à vida, num fio de
esperança, de vencer a dor e a doença.
Ninguém
pode perder de vista a diferença entre planos de saúde privados, aqueles
essencialmente empresariais, de uma cooperativa de médicos. Pode não haver
diferença de objetivo e até de preços, se for o caso, mas a natureza não é a
mesma. Na empresa privada há o detentor ou o grupo detentor que sequer precisa
ter formação médica, apenas o mando de capital. Na cooperativa médica, todos os
seus sócios médicos que elegem a diretoria que gerencia receita e despesa e
distribui a sobra com seus associados.
Claro que
essa sobra será maior ou menor – e pode até não haver – a depender dos níveis
de receita e despesa a partir do gerenciamento. Não basta elevar a receita
criando alternativas para todas as faixas de clientelas. É preciso também
gerenciar a despesa dos próprios custos administrativos, exames e serviços
hospitalares, e estes são os itens mais caros. Só depois, na sobra final, é
aplicado o que cooperativismo chama de pró-rata, ou seja, o rateio da sobra
entre os sócios a partir do valor único de consulta para todos.
Na
empresa privada o controle de mando é fácil: o médico que insistir em solicitar
muitos exames a cada paciente, necessários ou não, é advertido e se não atender
é afastado. Na cooperativa, cada médico é sócio. Um dono a quem não é fácil advertir
e afastar. Como o cliente do plano não é um cooperado, paga para garantir seus
direitos, mas sem voz e sem voto. Não é a ele, portanto, que cabe reclamar dos
abusos ou da má gestão. Dos preços de urgência, emergência, das cirurgias e dos
tratamentos intensivos.
Os
hospitais reclamam, agora com o abuso inominável de um movimento paredista que
suspendeu a urgência sem aviso prévio, transformando cada cliente na bucha de
canhão da guerra ilegal e injusta que precisou ser punida pela Justiça. Como se
ao cliente que paga sua parte, sem voz e sem voto, pudesse ser cobrada a má
gestão do plano, os preços exorbitantes ou não dos exames sofisticados, das
urgências, das cirurgias e das diárias das unidades de terapia intensiva, tudo
quanto não decide nem sequer conhece.
Mais
estranho ainda é ouvir o discurso de uns e outros. Os donos de hospitais
privados elogiam o sistema dos planos privados que advertem, cortam e afastam
médicos compulsoriamente comprometendo a qualidade técnica e científica do
atendimento médico como mostra a pesquisa do Datafolha no caso dos
ginecologistas. E dos defensores da Unimed que sussurram aqui e ali os abusos
praticados pelos hospitais, além de médicos que drenam para suas próprias
clínicas ou a ele ligadas, exames caros e dispensáveis.
A conclusão a que se pode chegar
das alegações de cada lado dessa luta velada, salvo melhor juízo, é a mais
simples e talvez a mais prosaica possível: na cooperativa o problema dos
médicos são os médicos. Se todos são médicos e cooperados, sócios do mesmo
caixa – os clínicos, donos de clínicas e dos hospitais – só eles poderão
enfrentar eles mesmos. Se antes, separados como vivem hoje pela ambição, não
forem tragados pelo velho desejo de lucro dos fortes que são poucos sobre os
fracos que são muitos.
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