Disse a mim mesmo,
Senhor Redator: vou assistir aos programas eleitorais como se fosse um
estrangeiro. Sem preconceito. Sem prevenção. Faz de conta que não conheço
nenhum deles, nunca os vi, nem ouvi. E fiquei lá, quieto, olho na tevê.
Disposto a ouvir a conversa, os planos, as intenções. Como se fosse possível
colocá-los acima de suas próprias histórias, embora sabendo que o marketing
sabe inventar anjos e demônios. E num caso e noutro com uma perfeição de
comover açougueiro.
Queria olhar tudo como
se o voto não tivesse aquela sua ambigüidade terrível de encontrar na urna sua
fonte de energia e ao mesmo tempo seu próprio túmulo. O que vale o voto depois
do dedo indicador apertar a última tecla e cair na memória virtual da urna
eletrônica? Nada. De forte objeto do desejo, é como se de repente a libido dos
candidatos fugisse. E se escondesse em algum lugar da pobre e frágil carne
humana. Nada é tão inútil como o voto depois que salta do eleitor e cai na
urna.
Mas era o primeiro dia
de programa do que chamam de propaganda eleitoral gratuita. E não era hora de
fazer tolas conjecturas. Da rede, liguei a tevê, larguei o que estava lendo, e
acomodei os olhos na direção da tela. Veio o primeiro candidato. Depois o
segundo. Em seguida, mais outro e outro. Todos com declarações de amor e
respeito a Natal. Uns afoitos, prometendo uma revolução; outros bem íntimos,
garantindo trabalho. E todos, absolutamente todos, jurando servidão ao povo.
A prefeita Micarla de
Sousa é o estorvo. Só foi citada como irresponsável. Ela recebeu apoio do
senador José Agripino quando todos os outros, imprensados e sôfregos, ficaram
ao lado de Fátima Bezerra alisando o pêlo do Palácio do Planalto. Hoje, Fátima
diz que o melhor prefeito é o deputado Fernando Mineiro. O senador Garibaldi Filho
discorda e afirma logo que é Hermano Morais. E a governadora Rosalba Ciarlini
parece que acredita em Rogério Marinho. Ora, a política é dinâmica.
As candidaturas de
esquerda cumprem o papel de sempre: colaram os seus retratos no álbum de
figurinhas, e pronto. Se o socialismo já tinha suas dificuldades, depois do PT
a coisa piorou muito. O eleitor comum não sabe mais o que é socialismo. Das
tevês caem no chão os milhões e milhões de reais das cornucópias do mensalão. E
se ministro do Supremo é pra dizer a verdade, danou-se tudo: são muitos os
crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, o diabo a
quatro.
Deus, bom e justo,
sabe que enfrentei aquela meia hora de propaganda eleitoral com a altivez e o
destemor de um legionário. Poderia dizer que admirei a coragem de uns, a
habilidade de outros, a desfaçatez de outros mais, e a nenhum neguei os olhos e
os ouvidos. Vi e ouvi com alma de monge tudo que disseram. Talvez quatro anos
não bastem para as tão grandes promessas. Mas vi e ouvi tudo. Admirando a inteligência humana. E com certa
inveja de não tê-la, é bem verdade. Mas vi e ouvi.
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