Dura mais de um século, Senhor Redator, a dúvida em
torno da naturalidade de Felipe Camarão e até hoje há quem queira tê-lo entre
nós. Aqui
tem palácio com seu nome, bairro, rua e escola. No passado tivemos
historiadores aguerridos – Câmara Cascudo e Nestor Lima – sem falar em dois
célebres defensores da naturalidade potiguar, Pandiá Calógeras e Afonso Celso –
convencidos de que sua certidão de nascimento é timbrada aqui, onde foi menino
aprendendo a ser guerreiro nas gamboas do Potengi.
Não fui contemporâneo das velhas batalhas, mas fui
o repórter que entrevistou o historiador Olavo Medeiros Filho, no Instituto Histórico,
quando concluiu a pesquisa e constatou, para dissabor de algumas almas
altruísticas, que Felipe Camarão, o herói, é pernambucano. Publiquei a
entrevista numa página inteira de O Poti. O efeito foi tão espantoso que dias
depois Alvamar Furtado desabafou, desolado, ao encontrar com ele numa reunião
da Academia: ‘Olavo, assim você termina acabando com nossos heróis’.
Vistos e revistos papéis e livros velhos, fica mais
fácil constatar que, a rigor, o primeiro disparo forte em favor de Pernambuco
saiu da pena do grande Pereira da Costa, saudado por Cascudo no seu centenário,
1951, e depois seu justo e fiel advogado invocando a jurisprudência da admiração,
ao escrever ao então governador de Pernambuco, Eraldo Gueiros. Com a
cumplicidade de Mauro Mota, pediu a nova edição do Folclore Pernambucano que
circulara originalmente em 1908. Saiu e sua carta foi o prefácio.
Voltemos aos velhos alfarrábios. O primeiro artigo
de Pereira da Costa é publicado pelo Diário de Pernambuco em 1907, mas seu
texto formal e completo sai dois anos depois, em 1909, como separata da Revista
do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco: ‘A naturalidade de D.
Antônio Felipe Camarão, última verba’. A polêmica cresce e aquece os ânimos.
Grandes nomes são chamados à luta a partir de consultas simultâneas, daqui e de
Pernambuco, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Câmara Cascudo se filia à corrente do Camarão potiguar.
Mostra bem sua Acta Diurna de 22 de fevereiro de 1940 – ‘Tradição Popular sobre
Felipe Camarão’, citando a pesquisa que publicara na Revista do Instituto
Histórico de 1928/29. Na verdade, Pernambuco nunca aceitou recuar,
principalmente a partir de 1954, quando José Antônio Gonçalves de Mello, nosso
maior estudioso do Brasil Holandês, publicou o ensaio
sobre ‘D. Felipe Camarão, capitão dos índios das costas do Brasil’. Bateu o
prego e virou a ponta.
Olavo – para não estender a conversa – concluiu na
pesquisa que publicou em 1991 que realmente existiram dois Camarões, tio e
sobrinho. O velho é o Camarão nascido nestas ribeiras da Capitania do Rio Grande.
O novo é o sobrinho, o que lutou na Guerra Holandesa e considerado o herói
indígena brasileiro pela Lei 12.701, aprovada agora no Congresso Nacional e
sancionada pela presidente Dilma Rousseff que determinou o registro
do seu nome no Livro dos Heróis da Pátria. O Camarão herói, pois, não é nosso.
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