A ABA vem a publico manifestar o seu
repúdio a recente Portaria No. 303 laborada pela AGU e publicada no DOU. A
pretexto de homogeneizar o entendimento dos organismos de governo no que tange a
aplicação das chamadas condicionantes para o reconhecimento de terras indígenas
apontadas pelo STF durante a decisão sobre a TI Raposa/Serra do Sol, esta
portaria pretende impor uma leitura da legislação indigenista brasileira em
total dissintonia com os interesses indígenas, com os princípios
constitucionais estabelecidos na Carta Magna de 1988 e com as convenções
internacionais das quais o Brasil é signatário.
É um ato totalmente arbitrário e
inadequado pretender resolver questões complexas e da maior importância para a
ação indigenista mediante uma simples portaria. As chamadas condicionantes estabelecidas
no curso de um processo judicial específico e cheio de singularidades, não
poderiam de maneira alguma ser tratadas de modo caricatural e mecânico, ignorando
por completo as múltiplas interpretações antropológicas e jurídicas que podem
receber.
A portaria atropela ainda de maneira
grosseira e acintosa a própria ação indigenista e a distribuição de mandatos e
competências entre os órgãos públicos. Assim ignora os esforços desenvolvidos
pela própria FUNAI e pela Secretaria-Geral da Presidência da República, em
amplos foros de debate, no sentido de promover a regularização do direito de
consulta, considerando-o procedimento dispensável sempre que algum organismo
governamental vier a entender, por critérios puramente internos, que está
lidando com questão de superior interesse nacional (art. 1º, itens 5, 6 e 7).
Por outro lado com uma simples canetada e sem qualquer justificativa que o
embase, transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
as responsabilidades, o poder de administração e controle sobre uma imensidade
de terras indígenas (art. 1º, itens VII, IX e X).
Ao leitor atento a portaria não deixa
dúvidas – sem um embasamento doutrinário e sem cercar-se dos devidos cuidados
de estudar a questão a fundo e promover os debates necessários a cristalização
de um entendimento democrático, a AGU selecionou questões totalmente diversas
colocadas a administração pública no seu trato com as comunidades indígenas e
procurou dar-lhes a interpretação mais restritiva e negativa possível aos
direitos dos indígenas.
Por seu primarismo e incongruência,
buscando restringir e amesquinhar os direitos indígenas presentes na CF-1988, a
ABA considera a portaria 303 um instrumento jurídico-administrativo absolutamente
equivocado e pede a sua imediata revogação.
Bela Feldman BiancoPresidente da Associação Brasileira de Antropologia
João Pacheco de Oliveira
Coordenador
da Comissão de Assuntos Indígenas
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