segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Medeiros: Suprema negritude

Por: Alex Medeiros

O ministro Joaquim Barbosa já fez e está fazendo história. É o primeiro negro a assumir a presidência do Superior Tribunal Federal, fato de extrema relevância já devidamente postado nos registros da Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo.

 O mineiro de Paracatu foi galgado ao posto de juiz do Supremo por méritos intelectuais, embora alguns petralhas tentem achincalhar sua honra com piadinhas sobre a força das cotas raciais que o próprio PT tratou de transformar numa pantomima ideológica.

 Barbosa, no entanto, não carrega o pioneirismo da raça em tal façanha profissional, foi antecedido por Pedro Lessa, o negro que ocupou a Alta Corte Constitucional entre os anos de 1907 e 1921. Era carioca, mas concluiu os estudos em Minas Gerais.

 Se hoje Joaquim Barbosa encara divergências no plenário do STF e enfrenta críticas externas por sua postura um tanto intimidatória, provocativa até, Lessa tinha em Epitácio Pessoa, que seria presidente da República, a sua porção Ricardo Lewandovski.

 Nos embates do Supremo nas primeiras décadas do século XX, Pessoa incorporava ao disfarçado sentimento racista da época ataques contra o temperamento forte de Lessa, a quem chamava de “gabola” e que “raspava a cabeça para esconder a carapinha”.

 As histórias de Pedro Lessa e Joaquim Barbosa se somam àquela que talvez seja a mais espetacular e mais rica no sentido étnico, ocorrida no apagar do século XIX, nos EUA, mais de trinta anos depois que a escravidão foi extirpada por lá e vinte anos no Brasil.

 O negro aí na foto ao lado de Joaquim Barbosa é Vance Lewis (não confundir com o homônimo que dirigiu filmes de faroeste nos anos 1960), protagonista do único caso em que um ex-escravo acabou assumindo uma cadeira na Suprema Corte Americana.

 Nasceu na noite de Natal, em 1853, na senzala de uma fazenda de um coronel chamado Cage, que logo após a proclamação da libertação dos escravos entregou a administração do lugar a um irlandês de nome Jimmie Welsh, que falsificou a liberdade dos negros.

 O fim da escravidão nos EUA viria em 1863, quando Lewis estava com dez anos, e assim como ocorreria no Brasil vinte e cinco anos depois, não foi tão fácil aos negros sair das fazendas para construir nova vida com os empregos buscados nas cidades.

 O menino percebeu somente naquele instante que ele e seus pais eram escravos, e experimentou uma estranha sensação quando observou que a família já não era obrigada a dar duro nas plantações. Vance diria depois que foi um rasgo de liberdade.

 Mas enquanto se aproximava da adolescência, uma angústia foi se apresentando, já que apesar de não ser mais escravo ele e outros tantos não conseguiam ver outra perspectiva de lar longe das plantações e alguma chance de sobrevivência fora das fazendas.

 De escravos maltratados muitos passaram a ser apenas assalariados sem folga, dependentes da estrutura funcional da fazenda e da chance de sobrevivência ali ainda enraizada. Mas, Vance Lewis descobriu os livros e logo chegou ao estágio da escrita.

 Disputava com um garoto branco, Dick, seu maior amigo, a condição de mais inteligente entre os jovens do lugar. Um dia, o colega foi cursar faculdade numa grande cidade e ele ficou restrito ao ambiente provinciano, já era então um órfão de pai e mãe.

 A experiência de ter visto seu pai defender um semelhante na falsa acusação do roubo de um porco, sendo chamado pelos amigos de “nosso advogado”, fez Vance Lewis se interessar pelo Direito. Com apenas 64 dólares no bolso, foi em busca de futuro.

 Reencontrou o amigo Dick na University Leland, depois estudou em Orange, no Texas, formou-se em Michigan, virou professor da Universidade Lincoln, na Pensilvânia, fez especialização em Chicago e foi nomeado juiz num tribunal do estado do Illinois.

 Depois de reivindicar vaga na Suprema Corte, o ex-escravo recebeu uma carta, datada de 11 de outubro de 1897, que dizia “seu pedido de admissão no Supremo Tribunal dos EUA foi devidamente aceito e você está notificado a comparecer a Washington”.

 Mais de 100 anos depois e com os EUA governador por um negro, há poucos documentos relacionados a ele, exceção de um esquecido livro autobiográfico. Vance Lewis morreu aos 72 anos e foi enterrado no Olivewood Cemetery, em Houston. (AM)

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