sábado, 20 de outubro de 2012

Serejo: Verdade e verossimilhança


Por Vicente Serejo

 O jornalismo, mesmo na era da especialização e com redatores qualificados, nem sempre cumpre com eficiência a boa tarefa de informar. Queiramos ou não, os juízos de valor passam pelos escaninhos do jogo de referências. Como ensinou Alberto Dines, a verdade e a verossimilhança, algumas vezes, se entrelaçam numa urdidura que tanto pode levar o leitor a um extremo ou outro nas suas conclusões. Não há neutralidade absoluta na tessitura do texto jornalístico, certo. Mas é possível tecê-lo com referências.

 A simples seleção, na preferência de estilo, leva naturalmente cada redator a empregar umas e não outras expressões para contar uma mesma história. Muito mais intensamente quando há matrizes de suspeição previamente fixadas no imaginário da opinião pública.Quanto mais específico o instrumental de saber empregado por especialistas, no caso o arsenal jurídico e seu manejo de interpretação, maior a chance de agradar se consagrar o esperado ou de desagradar se não cumprir um destino que se deseja.

 Semana passada a colunista Mônica Bérgamo, vinte e quatro horas depois do pedido do ministro Ricardo Lewandowski de absolvição do deputado João Paulo Cunha, ao invés de discutir os argumentos jurídicos alegados pelo julgador na sua tese de não materialidade na acusação de envolvimento com o mensalão, preferiu informar aos leitores que em três casos recentes três decisões da justiça teriam sido implacáveis no julgamento de crimes sem magnitudes justificadas, insignificantes como comparação.

 Nas notas, Bergamo habilmente não disse que o ministro foi generoso com o deputado envolvido com recebimento de R$ 50 milhões por sua mulher. Limitou-se a contar que a justiça negou habeas corpus a um carcereiro de Tatuí, acusado de peculato por furto de um farol de milha no valor de R$ 13 reais; um pescador processado por ‘fisgar ilegalmente 12 camarões em Santa Catarina’; e de condenar um cidadão por roubar uma bermuda que não deve valer mais que algumas poucas dezenas de reais.

 Ora, como passar o sentimento de justiça diante de tanto rigor com três crimes de pouca monta e, ao mesmo tempo, ser tão rigoroso na apuração da materialidade de provas, absolvendo a grave acusação de um envolvido no escabroso Mensalão? Mesmo sem comparar explicitamente com o voto do ministro-revisor, tal como foram ordenadas e encadeadas suas notas construíram a dúvida: alguém seria réu no Mensalão, por peculato, roubo ou corrupção, se tivesse furtado um farol, 12 camarões ou uma bermuda?

 É possível que do ponto de vista legal, consideradas a técnica e ciência jurídicas, estejamos diante de casos específicos. Não posso opinar como simples leigo. Mas, como cidadão, leitor de jornais, a comparação faz nascer a sensação de que procede o brocardo de que também, e como aos inimigos, aos fracos é mais fácil impor os rigores da lei. João Paulo Cunha, ao contrário dos três réus anônimos, é uma proeminência. E, como tal, menos vulnerável ao rigor justiceiro que todos desejam. Eis a questão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário