O jornalismo, mesmo na
era da especialização e com redatores qualificados, nem sempre cumpre com
eficiência a boa tarefa de informar. Queiramos ou não, os juízos de valor
passam pelos escaninhos do jogo de referências. Como ensinou Alberto Dines, a
verdade e a verossimilhança, algumas vezes, se entrelaçam numa urdidura que
tanto pode levar o leitor a um extremo ou outro nas suas conclusões. Não há
neutralidade absoluta na tessitura do texto jornalístico, certo. Mas é possível
tecê-lo com referências.
A simples seleção, na
preferência de estilo, leva naturalmente cada redator a empregar umas e não
outras expressões para contar uma mesma história. Muito mais intensamente
quando há matrizes de suspeição previamente fixadas no imaginário da opinião
pública.Quanto mais específico o instrumental de saber empregado por especialistas,
no caso o arsenal jurídico e seu manejo de interpretação, maior a chance de
agradar se consagrar o esperado ou de desagradar se não cumprir um destino que
se deseja.
Semana passada a
colunista Mônica Bérgamo, vinte e quatro horas depois do pedido do ministro
Ricardo Lewandowski de absolvição do deputado João Paulo Cunha, ao invés de
discutir os argumentos jurídicos alegados pelo julgador na sua tese de não
materialidade na acusação de envolvimento com o mensalão, preferiu informar aos
leitores que em três casos recentes três decisões da justiça teriam sido
implacáveis no julgamento de crimes sem magnitudes justificadas,
insignificantes como comparação.
Nas notas, Bergamo
habilmente não disse que o ministro foi generoso com o deputado envolvido com
recebimento de R$ 50 milhões por sua mulher. Limitou-se a contar que a justiça
negou habeas corpus a um carcereiro de Tatuí, acusado de peculato por furto de
um farol de milha no valor de R$ 13 reais; um pescador processado por ‘fisgar
ilegalmente 12 camarões em Santa Catarina’; e de condenar um cidadão por roubar
uma bermuda que não deve valer mais que algumas poucas dezenas de reais.
Ora, como passar o
sentimento de justiça diante de tanto rigor com três crimes de pouca monta e,
ao mesmo tempo, ser tão rigoroso na apuração da materialidade de provas,
absolvendo a grave acusação de um envolvido no escabroso Mensalão? Mesmo sem
comparar explicitamente com o voto do ministro-revisor, tal como foram
ordenadas e encadeadas suas notas construíram a dúvida: alguém seria réu no
Mensalão, por peculato, roubo ou corrupção, se tivesse furtado um farol, 12
camarões ou uma bermuda?
É possível que do
ponto de vista legal, consideradas a técnica e ciência jurídicas, estejamos
diante de casos específicos. Não posso opinar como simples leigo. Mas, como
cidadão, leitor de jornais, a comparação faz nascer a sensação de que procede o
brocardo de que também, e como aos inimigos, aos fracos é mais fácil impor os
rigores da lei. João Paulo Cunha, ao contrário dos três réus anônimos, é uma
proeminência. E, como tal, menos vulnerável ao rigor justiceiro que todos
desejam. Eis a questão.
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