E se depois da batalha
televisiva, abertas as urnas e contados os votos, vier a saudade da prefeita
Micarla de Souza, como outro dia vaticinou numa entrevista a sua mãe, Dona
Miriam? E se depois de tudo, de lixo por toda parte e de toda buraqueira, de
uma educação capenga e de uma saúde manca, vier a certeza de que era preferível
o caos? E se, vivido todo esse sacrifício da mais triste pobreza cultural na
culminância do amadorismo inculto, voltarem as figuras que há anos vivem
apojadas nas tetas do poder?
Olhe Senhor Redator,
não duvide. Natal tem medo. De tudo. É verdade que nenhum prefeito pode ser
pior. É que Natal cansou de experimentar e por isso apenas prefere o que já
conhece. É mais cômodo, ainda que muito aquém de sua própria história. Natal é
uma cidade que ficou triste, caída na mão de alguns forasteiros, prisioneira
das mais torpes ambições dos que lhe abriram chagas na carne das suas ruas,
suas praças, seus velhos becos, antigos caminhos por ponde passa a vida de sua
gente simples.
E todo seu abandono
está agora sitiado de promessas, cercado de planos, iluminado de sonhos, como
num passe de mágica. Quanto mais repetem suas frases bonitas, bem enlatadas,
bem conservadas no azeite da artificialidade, mas viram atores de um espetáculo
no qual vale tudo, menos a sinceridade. Do outro lado das tapadeiras, os
escombros de uma verdade amordaçada. Ou são tapumes, escondendo o feio que a
beleza plástica não deixa escapar da jaula virtual para não espalhar a verdade
tão evitada?
Quando a política era
também uma arte e não só uma artimanha, Senhor Redator, as palavras não eram
amestradas e as idéias eram reveladoras dos sentimentos humanos. Agora, não. As
palavras tomam leite no prato como gatos domesticados, afinal outros são, a
rigor, os seus verdadeiros donos. Por isso nada revelam da verdade de cada um.
Quando a solenidade de posse encerra o espetáculo e a verdade chega, tudo se
revela: o autoritarismo dos gestos, a prepotência das palavras, a intolerância
do estilo.
O marketing é uma
bruxaria que sabe inventar tudo. Democrata talentoso, orador brilhante, idéias
modernas, respostas inteligentes. E ninguém pode culpar os bruxos. Eles
inventaram uma frase totalflex: quem ganha e quem perde a campanha é o
candidato. Os bruxos são profissionais que fazem seu trabalho e merecem receber
o acertado. É bem verdade que alguns às vezes são intolerantes e taxam a
crítica de invejosa. É fácil compreender. O marqueteiro faz milagre e por isso
se considera um Deus.
A nós outros, a quem
os deuses impuseram a condição de platéia sem voz, resta olhar cada cena desse
espetáculo. Só a visão crítica nos daria, no plano da consciência, a liberdade
do aplauso ou da vaia mesmo no silêncio do olhar. Mas já não é tão fácil separar
o joio do trigo, o líder do ventríloquo. Ficaram tão terrivelmente parecidos,
tão na fronteira que separa a verdade da verossimilhança que agora só será
possível ensinar a distingui-los quando a educação for uma prática de
libertação. Estamos fritos!
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