sábado, 20 de outubro de 2012

Serejo: Estamos fritos!

Por: Vicente Serejo

 E se depois da batalha televisiva, abertas as urnas e contados os votos, vier a saudade da prefeita Micarla de Souza, como outro dia vaticinou numa entrevista a sua mãe, Dona Miriam? E se depois de tudo, de lixo por toda parte e de toda buraqueira, de uma educação capenga e de uma saúde manca, vier a certeza de que era preferível o caos? E se, vivido todo esse sacrifício da mais triste pobreza cultural na culminância do amadorismo inculto, voltarem as figuras que há anos vivem apojadas nas tetas do poder?

 Olhe Senhor Redator, não duvide. Natal tem medo. De tudo. É verdade que nenhum prefeito pode ser pior. É que Natal cansou de experimentar e por isso apenas prefere o que já conhece. É mais cômodo, ainda que muito aquém de sua própria história. Natal é uma cidade que ficou triste, caída na mão de alguns forasteiros, prisioneira das mais torpes ambições dos que lhe abriram chagas na carne das suas ruas, suas praças, seus velhos becos, antigos caminhos por ponde passa a vida de sua gente simples.

 E todo seu abandono está agora sitiado de promessas, cercado de planos, iluminado de sonhos, como num passe de mágica. Quanto mais repetem suas frases bonitas, bem enlatadas, bem conservadas no azeite da artificialidade, mas viram atores de um espetáculo no qual vale tudo, menos a sinceridade. Do outro lado das tapadeiras, os escombros de uma verdade amordaçada. Ou são tapumes, escondendo o feio que a beleza plástica não deixa escapar da jaula virtual para não espalhar a verdade tão evitada?

 Quando a política era também uma arte e não só uma artimanha, Senhor Redator, as palavras não eram amestradas e as idéias eram reveladoras dos sentimentos humanos. Agora, não. As palavras tomam leite no prato como gatos domesticados, afinal outros são, a rigor, os seus verdadeiros donos. Por isso nada revelam da verdade de cada um. Quando a solenidade de posse encerra o espetáculo e a verdade chega, tudo se revela: o autoritarismo dos gestos, a prepotência das palavras, a intolerância do estilo.

 O marketing é uma bruxaria que sabe inventar tudo. Democrata talentoso, orador brilhante, idéias modernas, respostas inteligentes. E ninguém pode culpar os bruxos. Eles inventaram uma frase totalflex: quem ganha e quem perde a campanha é o candidato. Os bruxos são profissionais que fazem seu trabalho e merecem receber o acertado. É bem verdade que alguns às vezes são intolerantes e taxam a crítica de invejosa. É fácil compreender. O marqueteiro faz milagre e por isso se considera um Deus.

 A nós outros, a quem os deuses impuseram a condição de platéia sem voz, resta olhar cada cena desse espetáculo. Só a visão crítica nos daria, no plano da consciência, a liberdade do aplauso ou da vaia mesmo no silêncio do olhar. Mas já não é tão fácil separar o joio do trigo, o líder do ventríloquo. Ficaram tão terrivelmente parecidos, tão na fronteira que separa a verdade da verossimilhança que agora só será possível ensinar a distingui-los quando a educação for uma prática de libertação. Estamos fritos!

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