terça-feira, 23 de outubro de 2012

Serejo: Visão da Seca

Por: Vicente Serejo

 Não é comum, a não ser nas bibliografias bem anotadas, encontrar o pequeno livro impresso com a conferência de Carlos Lacerda – Visão da Seca no Nordeste, Coleção Tribuna da Imprensa, Rio. Nem vê-lo em bibliotecas particulares. Um deles está no acervo do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro e nestas estantes está o exemplar que dedicou de próprio punho a José Américo de Almeida em 29 de outubro de 1951, ano de sua publicação, com um prefácio curto e expressivo de Aluízio Alves.

 É um pequeno livro, formato bolso, capa amarela, ilustrada por uma mão que clama no chão seco, um bico de pena assinado por N. R. No alto, o nome do autor, em letras finas, e a ilustração. E o título: ‘Visão da Seca no Nordeste’, em letras grandes e vermelhas. Seguido de um subtítulo dando três ênfases: ‘Um relato – Um testemunho – Um Programa’. Na base da capa, o timbre editorial: ‘Coleção Tribuna da Imprensa’. E na folha de rosto, a dedicatória: ‘Ao Dr. José Américo, cordialmente, Carlos Lacerda’.

 É interessante, para fixar uma descrição gráfica mais completa, que a contracapa também tem a cor amarela com o ícone do menino gazeteiro oferecendo a Tribuna da Imprensa e que o texto qualifica não como empresa privada, mas ‘uma instituição nacional com 3.400 brasileiros reunidos para tornar possível a sua fundação’. O preço da assinatura naquele ano de 1951 e a propaganda de ‘O Bamba’, um semanário infantil ‘que forma e não deforma as crianças’. E o preço do exemplar do livro: ‘Cr$ 10,00′.

 Grande redator, Lacerda narra sua visita ao Nordeste em períodos curtos, divididos em seis partes, cada uma com título específico, intencionalmente longo e descritivo detalhando o foco. Mostra domínio completo da seca, reunindo na sua narrativa um elenco riquíssimo de fontes. No caso do Rio Grande do Norte, ouviu figuras como o bispo D. José Delgado, de Caicó, Otto Guerra, Cortez Pereira, Juvenal Lamartine e Aristófanes Fernandes, e faz citações de Guimarães Duque e Francisco de Brito Guerra.

 Num realce de ênfase com acento literário, declara ter chegado ao Nordeste como turista da seca, para consagrar a classificação irônica dos que olham passar cada visitante com suas promessas. Mas, não tendo como cumpri-las, fez da sua visita uma tomada de visão e consciência: ‘Assumi, comigo mesmo, o compromisso de prestar um depoimento. Não é, pois, este relato, um estudo’. Para em seguida advertir ao leitor: ‘É um testemunho’. E ele mesmo informa que será dividido em ‘fatos, observações e conclusões’.

 O instante talvez mais singular, muito além dos dados sociais e econômicos, bem no estilo forte e emocional de Carlos Lacerda, é a fotografia de uma criança com um quisto ‘que lhe crescia na testa’ e no colo de sua mãe que também chorava implorando viver, a cena que mais o impressionou na sua visita ao Nordeste. Ele olha os olhos do menino e sente como se sobre ele caísse uma sentença inapelável de condenação. E por isso descreve, fechando a conferência: ‘É, pois, como um condenado que eu cumpro a minha sentença que consiste em denunciar, em clamar, em implorar, em suplicar, em solicitar, em imprecar, em pleitear, em pedir de joelhos, aos brasileiros, que se lembrem dos brasileiros’.

 
Uma palavra – Aluízio Alves

 Tenho uma pequena responsabilidade nesta conferência. Pedi a Carlos Lacerda para ir ao Nordeste ver a seca que estava destroçando as suas resistências humanas e econômicas. Ele foi, e, de volta, deu-nos esta conferência que é um completo relato jornalístico e uma análise objetiva das conseqüências da seca, da ação e, sobretudo, da falta de ação dos poderes públicos.

 Creio que esta ‘Visão da Seca’, agora publicada, vai ter uma grande influência na compreensão do problema, no conhecimento do drama nordestino. Aqui no Sul, há uma concepção muito vaga sobre o assunto: supõe-se que a seca é, apenas, a falta de chuvas em determinado período, com a crestação de algumas lavouras e dificuldades de alguns alimentos. Uma espécie de verão carioca associado à C.C.P. Poucos sabem que a seca nordestina é a destruição de anos e anos de trabalho cotidiano, é a fuga da terra pelo homem, é o destroçamento de uma economia subdesenvolvida, é, sobretudo, a sensação do abandono que invade um povo inteiro, desligando-o da fraternidade nacional.

 Este fenômeno se repete periodicamente, como uma advertência a quem teima em não ouvi-la. E, todas as vezes, o quadro é o mesmo, muitas promessas, vários estudos técnicos, alguns movimentos de caridade, e um pedaço da Nação desmoronando, como uma ruína, aos olhos perturbados, eventualmente, compadecidos, do resto do Brasil.

 Duas Constituintes já tentaram criar a consciência nacional do problema da seca, dando ao Poder Executivo recursos financeiros para uma ação sistemática de combate ao flagelo. Mas, apesar disto, não há, ainda, sequer, um programa, a ser posto em ação na emergência da seca, e muito menos, antes da seca, prevenindo os seus efeitos.

 Nosso intuito, pedindo a Carlos Lacerda que fosse ao Nordeste, está parcialmente satisfeito: sua reportagem condensada nesta conferência dá escala nacional e exata ao calvário do Nordeste.

 Resta que com este grito acorram os poderes públicos e a opinião nacional à convocação que lhes é feita para salvar a terra que está morrendo.

 

 

 

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