sábado, 27 de outubro de 2012

Serejo: Ah, os enólogos!


Ah, os enólogos!

Por Vicente Serejo

Não vou dizer, Senhor Redator, quantas vezes estive em Paris. Até por que quando se é pobre e cafona se leva a pobreza e a cafonice a vida toda. Posso garantir que foram muitas para um menino da Rua da Frente e pouquíssimas para o jet, por exemplo. Mas suficientes para estes olhos de repórter diante do mundo dos franceses. E por isso vos digo: nunca vi tanto enólogo como em Natal. Tantos e tão felizes, derramando risos nas colunas sociais. O PIB, se caiu, foi lá em São Paulo. Aqui, pelo visto, vive em alta.

Até um tempo desses, andei caindo na besteira de acreditar em alguns amigos que diziam como se cochichassem: aqui tem lá jet! Ora, acreditei. Deixa que nem viam. Tem jet por todo lado. E com uma sem-cerimônia de fazer inveja a um sultão e seus haréns. Imagino que sua experiência há de espetar a argúcia de perguntar, a essa altura: e as falências? Tenho impressão que também é tudo jogo. Não posso acreditar em falência desse jeito, mesmo sabendo que, em sociedade, às vezes, o riso esconde o pranto.

Eles, os enólogos, doutores no mister dos vinhos, vivem na Europa. Usam as horas e os dias que passam aqui, digamos, uns onze dos 12 meses do ano, para o exercício insuportável da sobrevivência nos seus escritórios, consultórios e que tais. Mas, são reluzentes nas horas de magia. Num passe de mágica daqui mesmo se transportam para a Europa. Vejo-os vivendo a primavera ou o outono nos restaurantes da cidade sorvendo o frescor dos brancos da Provence ou o rigor terno e suave dos tintos do velho Rhone.

Sou sincero, Senhor Redator, mesmo que insistam: não é a saudade que eles despertam em mim. Ninguém pode sentir falta daquilo que nunca teve. Talvez um pouco de inveja – pra que negar? – não do vinho, mas da frugal intimidade mágica com as tardes primaveris e outonais da velha Paris onde estive algumas vezes só por mania de grandeza. Neles, não. Tudo é simples e corriqueiro. De uma naturalidade encantadora pelo requinte com que tocam a vida nestas dunas, na beira desse mar e no beiço desse rio.

Lembro que numa dessas viagens mais recentes, num claro excesso de ousadia, sentamos numa das mesas de um dos lugares elegantes e agradáveis de Paris. Era um velho desejo e, depois, seria uma única vez. Ficamos ali, encabulados e felizes, olhando a alegria dos parisienses naquela primavera. As mulheres em roupas e tons bem leves e sensuais, numa elegância como se tudo fosse casual. De decotes ligeiramente abertos, braços nus, as pernas guardadas em botas curtas que só escondiam os tornozelos.

Foi então que senti minha fraqueza e tive vergonha de mim mesmo. De confessar a Rejane, minha companheira de viagens por esse mundo há quarenta anos, que estava ali pensando nos nossos enólogos. Mas, sobretudo compreendendo que a vida é assim mesmo. Por isso Paris é tão íntima para eles, quase uma rotina, e para nós dois é a eterna novidade. Como no título de Betty Milan, para nós também Paris não acaba nunca. Quem não é do jet, Senhor Redator, sofre. Tem que ser comedido. E sempre devagar.

 

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