Ah, os
enólogos!
Por Vicente Serejo
Não vou dizer,
Senhor Redator, quantas vezes estive em Paris. Até por que quando se é pobre e
cafona se leva a pobreza e a cafonice a vida toda. Posso garantir que foram
muitas para um menino da Rua da Frente e pouquíssimas para o jet, por exemplo.
Mas suficientes para estes olhos de repórter diante do mundo dos franceses. E
por isso vos digo: nunca vi tanto enólogo como em Natal. Tantos e tão felizes,
derramando risos nas colunas sociais. O PIB, se caiu, foi lá em São Paulo.
Aqui, pelo visto, vive em alta.
Até um tempo
desses, andei caindo na besteira de acreditar em alguns amigos que diziam como
se cochichassem: aqui tem lá jet! Ora, acreditei. Deixa que nem viam. Tem jet
por todo lado. E com uma sem-cerimônia de fazer inveja a um sultão e seus
haréns. Imagino que sua experiência há de espetar a argúcia de perguntar, a
essa altura: e as falências? Tenho impressão que também é tudo jogo. Não posso
acreditar em falência desse jeito, mesmo sabendo que, em sociedade, às vezes, o
riso esconde o pranto.
Eles, os enólogos,
doutores no mister dos vinhos, vivem na Europa. Usam as horas e os dias que
passam aqui, digamos, uns onze dos 12 meses do ano, para o exercício
insuportável da sobrevivência nos seus escritórios, consultórios e que tais.
Mas, são reluzentes nas horas de magia. Num passe de mágica daqui mesmo se
transportam para a Europa. Vejo-os vivendo a primavera ou o outono nos
restaurantes da cidade sorvendo o frescor dos brancos da Provence ou o rigor
terno e suave dos tintos do velho Rhone.
Sou sincero, Senhor
Redator, mesmo que insistam: não é a saudade que eles despertam em mim. Ninguém
pode sentir falta daquilo que nunca teve. Talvez um pouco de inveja – pra que
negar? – não do vinho, mas da frugal intimidade mágica com as tardes primaveris
e outonais da velha Paris onde estive algumas vezes só por mania de grandeza.
Neles, não. Tudo é simples e corriqueiro. De uma naturalidade encantadora pelo
requinte com que tocam a vida nestas dunas, na beira desse mar e no beiço desse
rio.
Lembro que numa
dessas viagens mais recentes, num claro excesso de ousadia, sentamos numa das
mesas de um dos lugares elegantes e agradáveis de Paris. Era um velho desejo e,
depois, seria uma única vez. Ficamos ali, encabulados e felizes, olhando a
alegria dos parisienses naquela primavera. As mulheres em roupas e tons bem
leves e sensuais, numa elegância como se tudo fosse casual. De decotes
ligeiramente abertos, braços nus, as pernas guardadas em botas curtas que só
escondiam os tornozelos.
Foi então que senti minha fraqueza e tive vergonha de mim mesmo. De
confessar a Rejane, minha companheira de viagens por esse mundo há quarenta
anos, que estava ali pensando nos nossos enólogos. Mas, sobretudo compreendendo
que a vida é assim mesmo. Por isso Paris é tão íntima para eles, quase uma
rotina, e para nós dois é a eterna novidade. Como no título de Betty Milan,
para nós também Paris não acaba nunca. Quem não é do jet, Senhor Redator,
sofre. Tem que ser comedido. E sempre devagar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário