sábado, 27 de outubro de 2012

Serejo: Marketing literário – II


Por Vicente serejo

Temos de tudo, Senhor Redator, no mercado intelectual, informa o bruxo como velho cronista de antigos torneios sociais. Nossa aquisição mais moderna é o traficante de glória, poetastro jeitoso e falso escritor, sem a autenticidade do produtor que pode ser jejuno de talento criador, mas não engana. O traficante, ao contrário, está sempre disponível no seu maneirismo de inventar consagrações quase perfeitas. Seria um grande artista e não um falsário se não fosse tão pequeno esse mundo de meu Deus.

Quando ainda não tínhamos inventado a glória internacional e ainda ciscávamos aqui mesmo, no terreiro de nossas próprias veleidades provincianas, o poeta Benito Barros, irônico e genial, do seu Império da Casqueira, lançou em Portugal ‘O Barco’, numa bela edição. Aquele que seria seu último livro de poemas pela Coleção World Art Friends, editora Corpos, abril de 2010, pouco antes de zarpar das margens do seu mar antigo, como um navio em plenilúnio, para a viagem do nunca mais voltar.

Tudo quanto veio depois de cada invenção, entre gorjeios e loas, foi uma glória falsa, a não ser nos gorgomilos dos vaidosos de toda espécie, cúmplices e financiadores das invenções que enganam a aldeia que, nesse seu mister, além de velha, é tola. E se somos assim, Senhor Redator, dado aos elogios fáceis e salamaleques que escondem a jaça que mancha o falso brilhante, paciência. Os que não sabem são com os que não enxergam, e por isso é justo que lhe seja dado o reinado luxurioso da enganação.

E vai sussurrando o bruxo, frio e implacável, e tudo sabe, lembrando que se foram os anos em que a nossa literatura vencia a cancela fiscal da velha Corrente, antes matando a sede na pequena bodega que tinha escrito na fachada ‘Água de Côco Boa Viagem’. Bem ali, de frente onde hoje se ergue o colosso de concreto do Midway com nome que lembra a grande batalha naval do Pacífico, na II Guerra Mundial, quando os norte-americanos venceram a esquadra de Yamamoto, o feroz almirante japonês.

Ora, se temos de tudo nesta estranha modernidade, e se esta aldeia, plantada às margens desses mangues, é capaz de artimanhas de tão elevado requinte para fazer do falso sua melhor criação, é sinal que assim desejamos ser. Um dia, quem sabe, descobriremos que por isso estamos mais pobres. E tão pobres que talvez a pobreza explique não a riqueza e a pujança do provincianismo cascudiano, mas um outro. Aquele refém de si mesmo, de uma miséria intelectual que nasceu de toda essa glória de mentira.

Perdemos, desastradamente, o bom provincianismo. Aquele que nos fez universais e que destas dunas, um dia, nos permitiu lançar um longo olhar sobre o mundo e nele abrir o espaço da nossa presença. Enganamos tanto uns aos outros, como se ninguém fosse perceber, que ficou difícil separar o joio do trigo. Agora tudo é joio e tudo é trigo. Depende da mistura mágica com a qual se vai enganar a nós mesmos e aos outros. E, de tudo, restou o teatro do falso. Num grande espetáculo de assombração.

 

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