Por Vicente serejo
Temos de tudo,
Senhor Redator, no mercado intelectual, informa o bruxo como velho cronista de
antigos torneios sociais. Nossa aquisição mais moderna é o traficante de
glória, poetastro jeitoso e falso escritor, sem a autenticidade do produtor que
pode ser jejuno de talento criador, mas não engana. O traficante, ao contrário,
está sempre disponível no seu maneirismo de inventar consagrações quase
perfeitas. Seria um grande artista e não um falsário se não fosse tão pequeno
esse mundo de meu Deus.
Quando ainda não
tínhamos inventado a glória internacional e ainda ciscávamos aqui mesmo, no
terreiro de nossas próprias veleidades provincianas, o poeta Benito Barros,
irônico e genial, do seu Império da Casqueira, lançou em Portugal ‘O Barco’,
numa bela edição. Aquele que seria seu último livro de poemas pela Coleção
World Art Friends, editora Corpos, abril de 2010, pouco antes de zarpar das
margens do seu mar antigo, como um navio em plenilúnio, para a viagem do nunca
mais voltar.
Tudo quanto veio
depois de cada invenção, entre gorjeios e loas, foi uma glória falsa, a não ser
nos gorgomilos dos vaidosos de toda espécie, cúmplices e financiadores das
invenções que enganam a aldeia que, nesse seu mister, além de velha, é tola. E
se somos assim, Senhor Redator, dado aos elogios fáceis e salamaleques que
escondem a jaça que mancha o falso brilhante, paciência. Os que não sabem são
com os que não enxergam, e por isso é justo que lhe seja dado o reinado
luxurioso da enganação.
E vai sussurrando o
bruxo, frio e implacável, e tudo sabe, lembrando que se foram os anos em que a
nossa literatura vencia a cancela fiscal da velha Corrente, antes matando a
sede na pequena bodega que tinha escrito na fachada ‘Água de Côco Boa Viagem’.
Bem ali, de frente onde hoje se ergue o colosso de concreto do Midway com nome que
lembra a grande batalha naval do Pacífico, na II Guerra Mundial, quando os
norte-americanos venceram a esquadra de Yamamoto, o feroz almirante japonês.
Ora, se temos de
tudo nesta estranha modernidade, e se esta aldeia, plantada às margens desses
mangues, é capaz de artimanhas de tão elevado requinte para fazer do falso sua
melhor criação, é sinal que assim desejamos ser. Um dia, quem sabe,
descobriremos que por isso estamos mais pobres. E tão pobres que talvez a
pobreza explique não a riqueza e a pujança do provincianismo cascudiano, mas um
outro. Aquele refém de si mesmo, de uma miséria intelectual que nasceu de toda
essa glória de mentira.
Perdemos, desastradamente, o bom provincianismo. Aquele que nos fez
universais e que destas dunas, um dia, nos permitiu lançar um longo olhar sobre
o mundo e nele abrir o espaço da nossa presença. Enganamos tanto uns aos
outros, como se ninguém fosse perceber, que ficou difícil separar o joio do
trigo. Agora tudo é joio e tudo é trigo. Depende da mistura mágica com a qual
se vai enganar a nós mesmos e aos outros. E, de tudo, restou o teatro do falso.
Num grande espetáculo de assombração.
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