Não faria nunca, Senhor Redator, só por jactância,
a apologia do ócio. No meu caso, e confesso sem mágoa, é por frustração.
Tentar, eu tentei. Mas sempre encontrei as portas do paraíso fechadas. Nascido
sem herança trabalhei até hoje como se viver fosse um prêmio. Se tivesse
nascido com o dom de falar ao espírito dos homens e ao coração das mulheres, a
vida teria sido outra. Não deu. O caminho tem sido animado, mas no chão as
pedras são muitas. É o destino natural dos destituídos da sedução.
Falei da preguiça e volto ao ócio pra ser justo com
Robert Louis Stevenson que só conheço da Ilha do Tesouro e de O Médico e o
Monstro, e só lembro naquela imagem de aristocrata escocês, com suas biografias
contando do menino doente,
cuidado por uma ama dedicada que ele nunca esqueceu, e de quem ouvia histórias
tristes e humanas saídas de folhetins. Ainda moço, aos 21 anos, já era um
leitor infatigável de Michel de Montaigne a viver as madrugadas com os seus
olhos derramados nos livros.
Basta lembrar, Senhor Redator, se já não vive
lembrado, que Stevenson nasceu em 1850 e vinte e sete anos depois, em 1877, já
circulava num magazine sua Apologia ao Ócio. Ali, desdenhoso e numa bela
ironia, principia pondo em dúvida as vantagens dos jovens que entregam sua
juventude à vida árdua dos estudos, depois se enchem de medalhas e chegam
cansados e falidos para a vida. Deve ter sido um espanto, há mais de um século,
um rapaz bem nascido tão ousado na sua blasfêmia contra o trabalho.
Aqui,
na pequena edição portuguesa que tenho de sua Apologia ao Ócio, enfiada entre
livros tão sisudos, vejo que o texto circulou três vezes, de 1877 a 1888, tanto
foram a estranheza e o sucesso que causou, é claro. Pois bem. São poucas
páginas, mas é intenso o prazer de sua leitura que fiz questão de grifar em
alguns instantes. Logo no início, como se fosse um alerta a desmistificar o
lado sagrado da vida dita intelectual, avisa: ‘Os livros são úteis à sua
maneira, porém um substituto bem pálido da vida’.
Diria Senhor Redator, neste meu destino de leitor
raso e sem brilho, que Stevenson não escreve para chocar, mas para sacudir. É
surpreendente vê-lo por em dúvida a escola formal que ele chama de a escola de
Dickens e Balzac. Só para advertir, sem perder aquele humour bem à inglesa, que
a grande escola está nas ruas e que dos bancos escolares saem apenas ‘obscuros
mestres em ciências da vida’. E espeta na toga dos senhores do saber a dúvida
demolidora: ‘Se isto não é educação, então o que será?’.
Não professo como lema a certeza de que os donos
dos bons ramos do saber um dia deixam seus gabinetes ‘ridículos e
melancólicos’. Nem quero acreditar que em algumas almas enriquecer é só uma
obsessão furiosa. Mas também não duvido nem um pouco dos que erram e subestimam
o dever de ser feliz. Como mostra Robert Louis Stevenson, às vezes só se
descobre quando ‘o cachimbo está fumado e a caixinha de rapé vazia’. E num banco,
hirto como um morto, tudo o que restou do pobre ser humano.
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