quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Maria recebeu do Estado um diploma de Bacharel e da Prefeitura um balde, uma vassoura e um pano para esfregar o chão.

Por Geraldo Barboza de Oliveira Junior

Artigo publicado na revista "Raça Brasil" (*)

O Rio Grande do Norte tem dois aspectos em comum com o estado de Santa Catarina: não se fala chiando e, se afirma, localmente, que a maioria da população é branca, de origem portuguesa. Isso, como conseqüência, cria uma invisibilidade para as pessoas negras e as políticas sociais referentes a esse segmento populacional.

Tenho como exemplo, as histórias de duas mulheres negras e quilombolas. Maria de Fátima, que terminou o ensino médio com habilitação em magistério e até hoje trabalha como empregada doméstica na cidade de Parelhas; e, Maria do Socorro que terminou o curso superior em História e mora em Currais Novos. Nessas cidades, com o apoio político local e a alta demanda de professores, não é difícil que uma pessoa termine uma formação e seja contratada para assumir essa nova função em escolas públicas. O nosso último caso, no entanto, é incrível. Maria do Socorro é funcionária pública da Secretaria Municipal de Educação como auxiliar de serviços gerais. Fez concurso quando ainda estava no ensino médio. Ao terminar essa fase com outro colega de trabalho, também auxiliar de serviços gerais, mas branco, esse foi imediatamente promovido a secretário de direção na escola em que ambos trabalhavam. Maria do Socorro, além de terminar o ensino médio, foi aprovada no vestibular para o curso de História (bacharelado e licenciatura) e, mesmo assim, continuou na mesma função. Cursou toda a faculdade como faxineira. Depois de dois anos de formada conseguiu ser deslocada (com a intervenção de amigos da capital) para trabalhar na Secretaria de Trabalho e Bem-Estar Social num projeto em uma comunidade quilombola de seu município. Após seis meses, a diretora da escola na qual trabalhava como faxineira exigiu que ela voltasse à função anterior (alegando que precisava de uma faxineira e Maria do Socorro era "ideal" para esse serviço). A Secretaria de Ação Social não fez por menos: a devolveu para seu antigo ofício. Vale lembrar que, nesse município, todos os funcionários nos cargos de faxineiros e porteiros, quando entravam em uma universidade eram imediatamente deslocados para atuar como professores ou assumir atividades administrativas. Maria do Socorro serve como exemplo de uma política discriminatória e socialmente excludente numa cidade localizada numa região - o Seridó - famosa por colecionar fatos racistas como parte de seu cotidiano.

O censo do Rio Grande do Norte registra somente pouco mais de 3% de pretos. Entretanto, os pardos são quase 70%. Para o movimento negro, pretos e pardos são negros. Então somos maioria. A invisibilidade do negro no Rio Grande do Norte está presente na literatura histórica e nas políticas sociais. A conseqüência é a negligência do estado em relação a esse segmento populacional. A ignorância e a intolerância em relação às religiões de matrizes africanas é outro fator que revela o preconceito para com a comunidade negra no estado. Aqui Candomblé e a Umbanda são tratados como assunto de segurança pública. Vários sacerdotes estão sendo processados pela Promotoria de Proteção Ambiental como criminosos. O crime: poluição sonora. O ruído dos atabaques tem levado esses sacerdotes para as delegacias e os tribunais.

É fundamental que o estado do Rio Grande do Norte crie uma secretaria especial para viabilizar o combate ao racismo e a promoção eqüitativa da população afro-brasileira. Aqui o racismo não é mascarado. Ele é fato cotidiano e presente na vida dos negros. Maria do Socorro recebeu do estado um diploma de bacharel e licenciatura em História e da Prefeitura de Currais Novos, um balde, uma vassoura e um pano para esfregar o chão.


(*) EM TEMPO:

No ano de 2011, quase 10 anos após esssa publicação na revista Raça Brasil,  através de uma ação conjunta envolvendo a participação do antropólogo Geraldo Barboza de Oliveira Jr e do médico psiquiatra Epitácio Andrade Filho, a Historiadora Maria do Socorro Fernandes foi transferida para a Secretaria Municipal de Cultura de Currais Novos, atuando nesta Secretaria como pesquisadora e, também está fazendo parte da equipe multidisciplinar de saúde mental coordenada pelo psiquiatra Epitácio.





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