sábado, 17 de dezembro de 2011

Entrevista com Daniel Aarão reis. “Modernidades alternativas”

O nosso entrevistado desta edição é o Prof. Daniel Aarão Reis. Ele fez Graduação em História (Université de Paris VII, 1975), é mestre na mesma disciplina e na mesma universidade (História, Université de Paris VII, 1976) e é Doutor em História Social (USP, 1987). É professor Titular de História Contemporânea (UFF, 1995) e fez estágios de pós-doutorado na Université de Paris VIII (1992-1993), na École des Hautes Études en Sciences Sociales (2000-2001) e no Centre d'Etudes des Mondes Russe, Caucasien et Centre-Europeen (2008). Faz pesquisa sobre revoluções socialistas, movimentos de esquerdas e ditadura militar. Escreveu dezenas de artigos em periódicos e outras dezenas de capítulos em livros. É autor e organizador, sozinho e com outros autores, de quase três dezenas de títulos que tratam de seus temas de pesquisa: revoluções socialistas, esquerdas brasileiras e intelectuais e política.

Em 2008, teve reeditado pela 3a. vez o seu livro escrito em co-autoria com P. Morais, o 1968, a paixão de uma utopia (Ed. FGV); organizou com Muzart-Fonseca, Denis Rolland e Marcelo Ridenti, uma obra de quase 1.400 páginas em francês, o L’exil brésilien en France (L’Harmattan) e, novamente com D. Rolland, organizou um novo título, o Modernidades Alternativas (Ed. FGV). A nossa entrevista aborda estas publicações, sobretudo a última. Modernidades Alternativas traz dezenas de artigos (335 páginas em papel e outras tantas num CD que vem anexado ao livro) sobre as modernidades e os processos políticos e culturais que constituem a modernização a partir do século XIX. O livro está dividido em seis partes: Esquerdas e direitas no Brasil; Modernidades européias; Modernidades e nuestra América; Artes, música, literatura e história; Corporativismos, fascismos e nazismo; e Modernidade e socialismos. A modernidade aparece ali multifacetada, composta por dicotomias, possibilidades outras, processos constitutivos e complementares, complexidades, esperanças e incertezas.


>> CVA - Olá Prof. Daniel, que bela contribuição para a nossa compreensão sobre esse período complexo e controverso que é a modernidade. A propósito, podíamos começar por aí: ainda estamos vivendo a modernidade? ou como você define este período atual? Podemos identificar marcas que sinalizam as passagens de um período a outro?

Reis - Trata-se de uma questão sujeita a controvérsias, como digo num texto de apresentação do livro referido. E, provavelmente, não chegaremos a um consenso sobre o assunto. Quanto a mim, penso que vivemos, no período atual, uma nova etapa da modernização. Não aprecio e não utilizo o conceito de pós-modernismo, embora respeite, evidentemente, e compreenda as referências dos partidários do conceito. As transformações que hoje vivemos e a particular aceleração dos processos, surpreendem e inquietam pelo seu caráter inovador. Entretanto, a análise histórica permite evidenciar que estas situações já foram vividas em outras conjunturas históricas.

>> CVA - A modernidade se apresenta no teu livro como um período plural: uma história de processos de modernização bastante diversificados. Mas, afinal esta característica distingue a modernidade de outros períodos?

Reis - Tentamos mostrar que as modernidades, embora compartilhando características comuns, sempre foram plurais, principalmente porque elas se formam em diferentes circunstâncias e em luta e intercâmbio com tradições marcantes, advindas dos chamados antigos regimes.

>> CVA - Aparece no livro uma relação complexa entre revoluções, liberalismo, autoritarismo, modernidade e liberdade...


Reis - O livro procurar analisar o quadro extraordinariamente complexo dos processos de modernização de diversos pontos de vista, de diferentes ângulos (economia, política, cultura), oferecendo um quadro diverso em todos os sentidos, inclusive porque os autores nem sempre defendem os mesmos parâmetros de análise e as mesmas orientações. As modernidades apresentam-se em suas várias feições: revolucionárias, reformistas; autoritárias, liberais, libertárias; de direita e de esquerda; construtivas e destrutivas. O mundo sempre em movimento, onde tudo o que é sólido desmancha-se no ar, evidenciando-se a adequação da frase emblemática de Marx.


>> CVA - Você pode nos contar um pouco como se coloca o controverso par modernidades liberais e modernidades alternativas?


Reis - As modernidades liberais, em suas diferentes matrizes: inglesa, estadonidense e francesa pretenderam, a partir das grandes revoluções de fins do século XVIII (americana e francesa), monopolizar o conceito de modernização e de modernidade. Com ambições universais, vazadas emblematicamente nas Declarações dos Direitos do Homem, as modernidades liberais tentaram, sem sucesso, apropriar-se exclusivamente dos processos de modernização. Os que não rezassem pelo seu credo eram considerados “anacrônicos” ou “passadistas”. É evidente, entretanto, apesar de retóricas e metáforas nostálgicas que eventualmente as marcam, que os projetos socialistas e libertários, nacional-estatistas, corporativistas e fascistas (pela esquerda e pela direita) trazem também as marcas, os compromissos, as tendências construtivas e destrutivas inerentes aos processos de modernização.


>> CVA - Como um estudioso das revoluções socialistas e dos regimes ditatoriais, você identifica no povo brasileiro alguma mudança ou tendência pra um ou pra outro? Temos na nossa América Latina um quadro de tensões já importante. Na tua opinião, o que devemos esperar por aí?

Reis - A sociedade brasileira, em sua grande maioria, a partir de fins dos anos 1970, orientou-se pela perspectiva da construção democrática. O país tem dado, efetivamente, passos importantes neste sentido, embora nossa democracia continue apresentando grandes problemas e limitações. Não creio, no entanto, que possamos falar de uma democracia consolidada, eis que as tradições neste sentido ainda são bastante recentes. Assim, inclusive porque a sociedade tem feito muito pouco esforço para compreender as relações complexas que estabeleceu com “sua” ditadura, nos anos 1960 e 1970, não é de se excluir que possam reaparecer, em conjunturas críticas, tentações autoritárias, pela esquerda ou pela direita. Quanto ao socialismo, trata-se de um projeto que, atualmente, sem dúvida, não está na ordem do dia, mas as tradições igualitaristas na sociedade brasileira permanecem fortes, também não se podendo excluir, em conjunturas de acirramento de contradições, a possibilidade que esta perspectiva possa se reatualizar, devidamente redefinida em relação aos parâmetros que marcam os socialismos do século XX.

>> CVA - E a utopia de 1968? Ela ainda permanece? O que foi aquilo na tua opinião?


Reis - No ano de 1968, ocorreram importantes manifestações e lutas sociais e políticas. Foi um ano quente. No entanto, como sustentei num artigo publicado no ano passado, as forças “frias”, conservadoras, de esquerda e de direita, acabaram prevalecendo, mantendo-se a Ordem que foi então duramente questionada. Embora derrotados, os movimentos de 1968 deixaram importantes legados, atuais, até os dias de hoje: as conquistas das mulheres e das minorias discriminadas, a proposta do desenvolvimento sustentável, entre outras, nunca mais deixaram a agenda política dos povos que vivem neste mundo. Permanecem atualíssimas, uma prova de que o ano de 1968 não acabou, como lembra o título do livro do jornalista Zuenir Ventura.


>> CVA - O tema “alternativo” parece cunhado realmente nos nossos tempos, via de regra associado a um “outro”, que não o hegemônico, como você o usa?

Reis - O termo alternativo é por mim usado no sentido de abranger todas as propostas alternativas à modernidade liberal. Incluem-se, portanto, os projetos de esquerda e de direita. Trata-se de construir seu inventário, de compreendê-los em suas circunstâncias, de compará-los, de examinar suas virtualidades, o que têm de construtivo e de destrutivo, para tentar ver melhor os desafios que se nos apresentam neste início de um novo século.


>> CVA - Esse livro que você organizou com outros autores, o L’exil brésilien en France, ainda não apareceu por aqui. Você pode nos dar uma “notícia” dele?

Reis - Trata-se de um trabalho originado num seminário que se realizou na França, em 2005. Ali se tratou fundamentalmente do exílio brasileiro na França, ao longo dos anos 1970, mas também foi possível efetuar importantes reflexões sobre o exílio em geral e sobre as complexas relações construídas entre a sociedade brasileira e a ditadura civil-militar que existiu em nosso país entre 1964 e 1979. Para além da tese de Denise Rollemberg, Exílio, entre raízes e radares, publicada pela Editora Record há alguns anos, pouco se produziu sobre o exílio brasileiro, em suas diferentes vertentes. Uma pena. A ver, se conseguimos suscitar interesse pelo tema. Em junho próximo, acontecerá na UFF, organizada pela Profa. Samantha Viz Quadrat, um importante seminário sobre o exílio nos países do Cone Sul, reunindo especialistas de vários países. Quem sabe se este evento não conseguirá suscitar um interesse duradouro? São os nossos votos.

>> CVA - Professor, muito obrigada pela entrevista, eu e a Comunidade Virtual de Antropologia te agradecemos. Parabéns por todo o teu trabalho, Gláucia

Reis - Sou eu quem agradece a oportunidade deste diálogo, que espero possa ter sido interessante. Saudações, Daniel Aarão Reis, Maio, 2009


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