sábado, 17 de dezembro de 2011

A marcha da insensatez

 Por Joca de Souza Leão

 -- Seguinte: sessenta e dois por cento de aumento pra gente, senadores e deputados, e cinco por cento pro salário-mínimo. Valeu?

-- Valeeeeeeeeu!

-- Depois de dar essa na ferradura, agora vamos dar uma no cravo, né?

-- Como assim?

-- Tem um bispo babaca lá em Limoeiro do Norte; vamos dar a Comenda pelos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara pra ele, pra desviar a atenção da plebe ignara?

-- Vamoooooos!

Tem gente que acha que as coisas não são resolvidas assim no Congresso Nacional. Mas são. Assim mesmo. (Ou – vá lá! – quase assim). Nesse caso, esqueceram apenas de um pequeno detalhe: combinar com o bispo. Aliás, dois: o bispo não era babaca.

Dom Manuel Cruz, bispo emérito de Limoeiro do Norte, Ceará. “O povo brasileiro ainda os considera parlamentares? Quem assim procedeu não é parlamentar. É para lamentar. Esta comenda não representa Dom Hélder. Desfigura-o, porém. Só me resta uma atitude: recusá-la. Ela é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro. Os aumentos de salário deveriam guardar sempre a mesma proporção que o salário-mínimo e a aposentadoria. O que aconteceu foi um atentado contra os direitos humanos de nosso povo.”

Que figura, esse Dom Manuel! Nada demais, à primeira vista. Um nordestino, apenas. Um severino (entre muitos severinos, que é nome de santo de romaria), como no poema de João Cabral. Baixinho e mirrado, já entrado nos setenta. Mas de um riso e uma cara de franqueza irresistível. O hábito, por certo, não faz o monge. Mas, no caso de Dom Manuel, o colarinho eclesiástico lhe conferia (ou acentuava) uma aura angelical, em flagrante contraste com a figura dos senadores, sentados à mesa que presidia a sessão e no plenário do Senado.


Se é que existe céu (e Deus queira que exista), Dom Hélder tá por lá e assistiu à peleja do seu conterrâneo de camarote. E gostou do que viu. Mais, achou arretado. Quem sabe, não deu até uns pitacos? (O Dom bem que era chegado a um joguinho de palavras, tipo essas usadas por Dom Manuel, “parlamentar” e “para lamentar”).


De minha parte, espero que os senadores e deputados de Pernambuco (meus candidatos, pelo menos) sejam coerentes e deem o exemplo assim que assumirem os seus mandatos: 5% de aumento (em relação à legislatura anterior), igual ao salário mínimo. Qualquer coisa diferente disso pode até ser – e é – legal. Mas, na minha opinião, não é moral. (E, nesse caso, que não me venham depois cagar regras sobre o que é ético e moral).


Quando a gente vê um cara como Dom Manuel Cruz, fica até animado. Eita bispinho pai d’égua! – que é assim que se diz de quem se tem admiração, naqueles sertões do Ceará.

Pois bem, que surjam, por toda parte, mais e mais brasileiros capazes de se indignar, renunciar, protestar e botar a boca no trombone. São meus votos, para que o Brasil se torne um país melhor e mais justo. Em 2011. E sempre.


Notas: 1ª- A Marcha da Insensatez (de Troia ao Vietnã) é título de um bom livro da escritora americana Barbara Tuchman, de 1984. 2ª- O cronista entra em férias hoje. Volta ao batente no primeiro sábado de fevereiro, dia 5. Aos leitores, um ótimo ano.

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