sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

De chapéu

Por Vicente Serejo, Natal, RN

Numa coisa, Senhor Redator, Rejane não é solidária: no uso de chapéu. Não condena o gesto de comprá-los, ela que é do tempo do é proibido proibir naquela Paris em chamas. Só lança um olhar de ironia. Às vezes, solta uma frase fina como um florete e fere de morte o orgulho. Antônio Maria dizia que os feios só sabem que são feios no colégio, quando perdem a primeira fila no desfile. Comigo, a derrota é mais rápida: basta por um chapéu na cabeça.

Nem por isso, desisto de tê-los. A solidão não mata em mim o velho sonho de usá-los sem medo de fazer medo aos outros. Vivem aqui, como se apenas servissem de adorno a esta sala. A não ser muito raramente quando saio com um deles. Os de palhinha, principalmente, no clima quente desses trópicos de verão escaldante, e que o poeta Olavo Bilac viu numa crônica como os raios de sol caindo sobre a Baía da Guanabara num dardejar de diamantes.

Pois bem, Senhor Redator. Agora vejo em Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo, uma página inteira dedicada ao charme do chapéu de palhinha, do Panamá. Para homens e mulheres. Ela informa que algumas lojas chegaram a vender quinhentos chapéus neste verão, e fizeram mais pedidos às empresas importadoras de chapéu do Panamá. E até velhas lojas do centro do Rio, com suas vitrines e cabides em flechas, ganharam novos clientes esses dias.

Em matéria de chapéu vivi alguns instantes engraçados. Uma manhã fui convidado para orador da solenidade de batismo da Ponte Newton Navarro, numa corveta da Marinha, em pleno rio. Fui de roupa branca, como meu pai, e chapéu de palhinha. Falei de improviso e lembrei a história do rio, seus conquistadores, poetas e prosadores. O almirante - não lembro mais seu nome - olhava espantado como se eu fosse um poeta renascido do parnasianismo.

Na viagem à Pedra do Reino, esqueci o chapéu. Pedi a Haroldo Bezerra que parasse na feira de uma pequena cidade, a última antes das pedras do reinado encantado. Comprei um chapéu de massa, e quando estava me olhando no espelho uma senhora do armazem elogiou, dizendo: \'Pra onde o senhor for, vai elegante\'. Não contei conversa e respondi com a soberba de todo orgulho diante da glória declarada: \'Vou ali, esperar um rei\'. E ela: \'Arre égua!\'.

Um dia vi numa vitrine elegante de São Paulo um chapéu de palhinha, cor de mel, de abas curtas. Entrei, pedi meu número, e fui ao espelho. A vendedora, vendo que era urgente acordar a vaidade da sua vítima, não tardou: \'O homem de chapéu fica mais elegante\'. E completou: \'No senhor, então, fica ótimo\'. Rejane teve pena e me deu de presente o silêncio da sua bondade. Resultado: saquei o cartão e paguei a vaidade em cinco prestações mensais.

Os chapéus? Andam todos por aqui. Não são muitos. Há os de palhinha, um de massa, outro de juta, um de couro de carneiro feito pelos gregos, e dois de pano. Um deles - pra que negar? - comprei numa loja da Nature & Découvertes, em Paris, especializada em artigos de camping, vida natural, caminhadas e descobertas. É que para cada instante, Senhor Redator, há de haver um chapéu. Um requinte que só agora começa a ser de gosto mais moderno.

E se vieram de um mundo antigo, como querem alguns, nem assim envelheceram. A não ser no olhar preconceituoso de uns poucos. É que o chapéu exige caimento, naturalidade, não pode ser um objeto a ferir a harmonia. No meu caso, Senhor Senhor, o que falta é beleza. E tem sido assim a vida inteira. Nem por isso deixo de tê-los aqui. Como se fosse um velho hábito de família. Como François Silvestre, aquele senhor que vive nas serras azuis do sertão.


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