Veja
Senhor Redator, como é perigoso o ofício de escrever. Ontem revelei mais uma
frustração, entre tantas, e um amigo desta coluna, sequer acreditou. A tarde
nem escondia o sol para a noite chegar, e ele impávido, bom leitor de Dalton
Trevisan, a duvidar que o vampiro de Curitiba tivesse sonhado em ser um jovem
coronel das Índias, só para fazer nascer das mãos de Katherine Mansfield,
petúnias. Tão inutilmente, embora soubesse da história da escritora
neozelandesa que, sem amor, morreu de tristeza.
Leitor
de livros velhos é assim. Guarda sempre em algum lugar da memória, quando não
na própria alma, uma palavra, uma frase, um pedaço de uma história de amor.
Pequenas coisas jogadas no mar das lembranças e que um dia, por uma razão sem
razão aparente, dão na praia das lembranças. É como se flutuassem em longas
travessias, lixo para a glória e a fortuna. Mesmo que alguns tenham uma
terrível piedade de nós quando nos vêem apanhando coisas inúteis no chão, é
impossível não guardá-las.
Sou
obrigado, pois, Senhor Redator, a contar a história. Antes peço desculpas por
contar uma notícia de amor tão inservível e inútil nesses tempos de glória e
fortuna, creia, mas não contar seria não honrar, mesmo num jeito pobre, a
paixão que Dalton Trevisan deixaria revelada para sempre no conto que publicou
no primeiro livro: Sete anos de pastor. Um livrinho de 1948, que há anos dorme
aqui nestas prateleiras. Pequeno, feio, papel de segunda. Ninguém daria, para
tê-lo, um centavo de vintém.
Por
conta disso, e é até com certo pudor e medo de ser chamado cabotino, é que
informo ter visto na Estante Virtual dois exemplares em catálogo para venda: um
por R$ 420 reais, capa descolada e sem contracapa; e o segundo um pouco mais
caro, R$ 460 reais, com capa, mas sem a parte do dorso. Para quem deseja, pouco
importa muitas vezes, a não ser um colecionador de exigências preciosas que
busca a brochura sem mácula e, se encadernada, com as capas preservadas e sem ter
suas fímbrias refiladas.
Carta
a Catarina, pequeno conto de duas páginas, não seria exaustivo reproduzir na
íntegra por ser de edição única do primeiro livro que Dalton Trevisan nunca
autorizou reeditar, depois da edição Joaquim, Curitiba, 1948, com ilustrações
de Poty Lazzarotto. Assina apenas com um D. Talvez de Dalton, talvez não. Que
importa se era para ele a adorável Miss Beauchamp, casada com um, por alguns
dias, e dormindo com outro, por quem ardia de amor, ou sozinha em Paris, sem um
homem para amar?
Transcrevo
o fecho, com se por esses dias, anos e anos depois, tão longe a lembrança, as
petúnias de repente desabrochassem no túmulo de Kathy, entre risos gaios, para
apagar a dúvida dos olhos e na alma de um amigo e leitor:
Poor Kathy, feia mas tão linda, faltou-lhe na
vida (essa mágoa matou-a) um coronel da Índia como eu, bravo moço de óculos
que, morta ainda, lhe beija com delírio as mãos de onde nascem, entre risos
gaios, petúnias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário