quinta-feira, 12 de julho de 2012

SEREJO: Entre risos gaios…

Por: Vicente Serejo

Veja Senhor Redator, como é perigoso o ofício de escrever. Ontem revelei mais uma frustração, entre tantas, e um amigo desta coluna, sequer acreditou. A tarde nem escondia o sol para a noite chegar, e ele impávido, bom leitor de Dalton Trevisan, a duvidar que o vampiro de Curitiba tivesse sonhado em ser um jovem coronel das Índias, só para fazer nascer das mãos de Katherine Mansfield, petúnias. Tão inutilmente, embora soubesse da história da escritora neozelandesa que, sem amor, morreu de tristeza.

Leitor de livros velhos é assim. Guarda sempre em algum lugar da memória, quando não na própria alma, uma palavra, uma frase, um pedaço de uma história de amor. Pequenas coisas jogadas no mar das lembranças e que um dia, por uma razão sem razão aparente, dão na praia das lembranças. É como se flutuassem em longas travessias, lixo para a glória e a fortuna. Mesmo que alguns tenham uma terrível piedade de nós quando nos vêem apanhando coisas inúteis no chão, é impossível não guardá-las.

Sou obrigado, pois, Senhor Redator, a contar a história. Antes peço desculpas por contar uma notícia de amor tão inservível e inútil nesses tempos de glória e fortuna, creia, mas não contar seria não honrar, mesmo num jeito pobre, a paixão que Dalton Trevisan deixaria revelada para sempre no conto que publicou no primeiro livro: Sete anos de pastor. Um livrinho de 1948, que há anos dorme aqui nestas prateleiras. Pequeno, feio, papel de segunda. Ninguém daria, para tê-lo, um centavo de vintém.

Por conta disso, e é até com certo pudor e medo de ser chamado cabotino, é que informo ter visto na Estante Virtual dois exemplares em catálogo para venda: um por R$ 420 reais, capa descolada e sem contracapa; e o segundo um pouco mais caro, R$ 460 reais, com capa, mas sem a parte do dorso. Para quem deseja, pouco importa muitas vezes, a não ser um colecionador de exigências preciosas que busca a brochura sem mácula e, se encadernada, com as capas preservadas e sem ter suas fímbrias refiladas.

Carta a Catarina, pequeno conto de duas páginas, não seria exaustivo reproduzir na íntegra por ser de edição única do primeiro livro que Dalton Trevisan nunca autorizou reeditar, depois da edição Joaquim, Curitiba, 1948, com ilustrações de Poty Lazzarotto. Assina apenas com um D. Talvez de Dalton, talvez não. Que importa se era para ele a adorável Miss Beauchamp, casada com um, por alguns dias, e dormindo com outro, por quem ardia de amor, ou sozinha em Paris, sem um homem para amar?

Transcrevo o fecho, com se por esses dias, anos e anos depois, tão longe a lembrança, as petúnias de repente desabrochassem no túmulo de Kathy, entre risos gaios, para apagar a dúvida dos olhos e na alma de um amigo e leitor:

 Poor Kathy, feia mas tão linda, faltou-lhe na vida (essa mágoa matou-a) um coronel da Índia como eu, bravo moço de óculos que, morta ainda, lhe beija com delírio as mãos de onde nascem, entre risos gaios, petúnias.

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