Por:
Vicente Serejo
O pior lugar para a pobreza é o mundo dos
ricos. Dito assim pode parecer prevenção, mas não é.
Tenho bons exemplos para pensar desse jeito. O
primeiro é que foi tema de um curso de pós-graduação de Otomar Lopes Cardoso,
meu cunhado, na Universidade de Louvain, Bélgica, lançado originalmente numa
edição acadêmica, em Bruxelas. O segundo, a pastoral criada pelo cardeal
Eugênio Sales, no Rio, para atender aos ricos empobrecidos e envergonhados que
sequer tinham como pedir esmola nas ruas.
Foi
com esse título – A pobreza no mundo rico, em versão não acadêmica, que Otomar
publicou suas idéias pela Nossa Editora, em 1985, do escritor Pedro Simões.
Ali, numa ilustração para a capa, foi reproduzida a marca do tal quarto mundo,
dos pobres na Europa rica: o desenho de um globo terrestre dividido em quatro
partes e na última delas uma figura humana despencando. Era o retrato perfeito
dos mais pobres do que os do terceiro mundo que nós outros tínhamos como única
parte pobre do planeta.
Para
Otomar que viveu as leituras e os debates em Louvain, os pobres no mundo dos
ricos foram sempre invisíveis ainda nos anos oitenta. Deles não se falava.
Sobre eles não se escrevia. A realidade era tema só dos estudiosos de
universidade católicas como Sorbonne e Louvain envolvidas com a doutrina social
no mundo. Para nós, não existiam. E mesmo assim, mais que os pobres
tradicionalmente vistos como terceiro mundo, também simbolizam o fracasso da
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Lembro
que os jornais cariocas – não recordo mais o ano – deram o maior destaque a uma
nova pastoral da Arquidiocese do Rio de Janeiro, criada e implantada pelo
cardeal Sales que se dedicava a ajudar os ricos empobrecidos e envergonhados.
Sem nomes, mantidos em absoluto sigilo pelo Palácio São Joaquim, gabinete do
cardeal, as matérias apenas revelavam a fachada de um casarão onde estava
funcionando a sede da pastoral que recebia ajudas e distribuía discretamente a
quem estava precisando.
No
texto, impressionante como narrativa, os voluntários contavam que eram
dramáticos os encontros com os velhos que um dia foram ricos e, abandonados,
não tinham sequer comida e remédio garantidos. Pior, pois eram mais pobres do
que todos os pobres: a eles, por uma vergonha humanamente compreensível, não
era dado sequer o direito de pedir esmola ou remédio porque seria aumentar a
dor do fracasso num mundo rico, mas socialmente distante e impiedoso, incapaz
até de perdoa-lhes os erros.
Quando
os governos se omitem na montagem de programas de ação social e nem ao menos
são bons parceiros da Igreja na assistência aos desvalidos, é sinal de que
governar já não é mais fazer o bem. Nem o governante alguém consciente de que é
o escolhido para cuidar do destino humano do seu povo. É apenas alguém, tão
comum e banal como todas as pessoas comuns e banais do mundo. E a ostentar no
colarinho branco o pedantismo que o poder, mesmo legítimo na conquista, pode
deixar de ser na ação.
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