quarta-feira, 18 de julho de 2012

SEREJO: Dos ricos quando empobrecem

Dos ricos quando empobrecem

Por: Vicente Serejo

 O pior lugar para a pobreza é o mundo dos ricos. Dito assim pode parecer prevenção, mas não é.

 Tenho bons exemplos para pensar desse jeito. O primeiro é que foi tema de um curso de pós-graduação de Otomar Lopes Cardoso, meu cunhado, na Universidade de Louvain, Bélgica, lançado originalmente numa edição acadêmica, em Bruxelas. O segundo, a pastoral criada pelo cardeal Eugênio Sales, no Rio, para atender aos ricos empobrecidos e envergonhados que sequer tinham como pedir esmola nas ruas.

Foi com esse título – A pobreza no mundo rico, em versão não acadêmica, que Otomar publicou suas idéias pela Nossa Editora, em 1985, do escritor Pedro Simões. Ali, numa ilustração para a capa, foi reproduzida a marca do tal quarto mundo, dos pobres na Europa rica: o desenho de um globo terrestre dividido em quatro partes e na última delas uma figura humana despencando. Era o retrato perfeito dos mais pobres do que os do terceiro mundo que nós outros tínhamos como única parte pobre do planeta.

Para Otomar que viveu as leituras e os debates em Louvain, os pobres no mundo dos ricos foram sempre invisíveis ainda nos anos oitenta. Deles não se falava. Sobre eles não se escrevia. A realidade era tema só dos estudiosos de universidade católicas como Sorbonne e Louvain envolvidas com a doutrina social no mundo. Para nós, não existiam. E mesmo assim, mais que os pobres tradicionalmente vistos como terceiro mundo, também simbolizam o fracasso da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Lembro que os jornais cariocas – não recordo mais o ano – deram o maior destaque a uma nova pastoral da Arquidiocese do Rio de Janeiro, criada e implantada pelo cardeal Sales que se dedicava a ajudar os ricos empobrecidos e envergonhados. Sem nomes, mantidos em absoluto sigilo pelo Palácio São Joaquim, gabinete do cardeal, as matérias apenas revelavam a fachada de um casarão onde estava funcionando a sede da pastoral que recebia ajudas e distribuía discretamente a quem estava precisando.

No texto, impressionante como narrativa, os voluntários contavam que eram dramáticos os encontros com os velhos que um dia foram ricos e, abandonados, não tinham sequer comida e remédio garantidos. Pior, pois eram mais pobres do que todos os pobres: a eles, por uma vergonha humanamente compreensível, não era dado sequer o direito de pedir esmola ou remédio porque seria aumentar a dor do fracasso num mundo rico, mas socialmente distante e impiedoso, incapaz até de perdoa-lhes os erros.

Quando os governos se omitem na montagem de programas de ação social e nem ao menos são bons parceiros da Igreja na assistência aos desvalidos, é sinal de que governar já não é mais fazer o bem. Nem o governante alguém consciente de que é o escolhido para cuidar do destino humano do seu povo. É apenas alguém, tão comum e banal como todas as pessoas comuns e banais do mundo. E a ostentar no colarinho branco o pedantismo que o poder, mesmo legítimo na conquista, pode deixar de ser na ação.

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