Por:
Vicente Serejo
Nunca
faltam sonhos, Senhor Redator, à pobreza de alguns. Lembro que uma vez, numa de
suas crônicas mais líricas, vi Berilo Wanderley lamentar com tristeza não ter
fortuna para comprar uma ilha exposta à venda. Dizia ele, que a notícia saltou
do jornal e caiu bem na alma. Como também não teria como comprar uma ilha,
passei a invejar seu sonho. Por isso, às vezes, ando pelo mundo. E invento ser
dono de ilhas e castelos só para não deixar de nascer em mim um pouco de
glória, mesmo de mentira.
Foi
assim outro dia quando dei com os olhos num anúncio publicado pela Isto É,
edição do dia 20 de julho. Estava lá, página 27: ‘Casa de Robin Hood vai à
venda por R$ 22 milhões’. Fiquei olhando o anúncio e foi nascendo no chão da
alma uma imensa frustração. O que significaria para um milionário uns míseros
22 milhões de reais para ter a casa onde o lendário Robin Hood viveu os seus
últimos dias, construída no ano de 1135, que foi mosteiro e abrigou o silêncio
de seus monges até o século dezesseis?
É
verdade que não poderia comprá-la diretamente ao proprietário, mantido em
sigilo, porque vai ser vendida em leilão. Mas, sendo um anônimo, nativo dessas
ribeiras daqui, quem daria importância a um desconhecido que por acaso desse o
primeiro lance superior as 22 milhões de reais e arrematasse a casa de Robin
Hood? No máximo, e se muito, uma notinha de pé de página. E aqui, talvez por
inveja, se é que há invejosos aqui. Ou um resmungo, um desdenhoso dar de
ombros. Talvez um muxoxo, se tanto.
Cito
Le Goff por ser dele o único livro que tenho aqui sobre esses heróis medievais.
É um herói que viveu como personagem nas baladas dos séculos treze a quinze,
mas não se sabe se foi de carne e osso. Sua lenda, e basta a lenda, já o
eterniza como símbolo do bem contra o mal, roubando dos ricos para dar aos
pobres. Para Le Goff, sua história se assemelha à história de Shakespeare sobre
um herói que se refugiou na Floresta de Arden, depois de ‘desapossado de suas
terras e de funções por seu irmão’.
Le
Goff também reconhece que o pai do Robin Hood moderno é Walter Scott que o faz
renascer no romance Ivanhoé. Robin usa o nome de Locksley e salva o Rei, preso
por um irmão ao chegar das Cruzadas. Esta sua ardente aventura, nascida da
imaginação de Scott, o faz libertar o rei Ricardo Coração de Leão. Ao revelar
seu verdadeiro nome – Robin Hood – a Ricardo, este o perdoa como o rei de
verdade e o absolve dos seus roubos – ‘Nada do que hás podido fazer jamais será
usado contra ti’.
Não
importa se seu nome também é lendário e nasceu do seu chapéu adornado com penas
das aves da floresta de Sherwood, em Nottinghamshire. Importa a sua luta contra
o xerife de Nottingham, ‘símbolo do poder político e social, impiedoso e impopular’.
Com seu arco, observa Le Goff, que o torna um arqueiro, a sua única nobreza vem
do povo pelo qual luta na sua história até hoje lendária para uns e verdadeira
para outros. Não foi à toa que Eric Hobsbawm o viu como um modelo de
anti-herói.
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