Quando
entrei na Universidade, Senhor Redator, tinha a pureza de um noivo de Themis, a
deusa da Justiça. Só depois, e quem sabe, de descobrir o triste erro de amá-la,
larguei a beca que talhara em forma de sonhos sobre os ombros, e fui ser
jornalista. Nem assim, humano e vulgar, escapei do furor ideológico daqueles
anos de chumbo que pesavam mais pelas suas patrulhas nos corredores acadêmicos
e onde cada um, pela consciência política, tinha o dever de ser pelo menos um
candidato a guerrilheiro.
Não mudamos muito, vistos da frase referencial
do velho senador Dinarte Mariz, quando dizia que Natal só tinha três comunistas
de verdade, por convicção: os irmãos Djalma e Luiz Maranhão, e o médico
Vulpiano Cavalcanti. E assim mesmo, por argúcia da sobrevivência, Djalma uma
vez aliou-se a Dinarte para espanto de alguns precários desta Aldeia Velha de
Felipe Camarão. Tanto é que nunca se inventaram heróis nem pediram indenização
a ninguém pelos seus sonhos que morreriam com eles.
Naqueles tempos, não deixava de ser instigante
ver o heroísmo mamulengueiro de certas figuras, de saias e cabelos longos,
sempre de protestos em riste. Principalmente as jovens senhoras, algumas de
boas carnes, outras nem tanto, sobrancelhas eriçadas, bradando palavras de
ordem. Não tinham sequer, muitas delas, lastro cultural. Bastava ser de
esquerda. Um modelito jeitoso de ser e não ser, com bom trânsito numa patota
que citasse Foucault e Morin, com uma boa pitada do existencialismo sartreano.
Algumas delas foram tudo. Ocuparam todos os
cargos na vida acadêmica, menos a Reitoria, afinal seria muito feio querer ser
reitora ou pró-reitora biônica, sem o voto das bases. Muitas, e sejamos
sinceros, eram fraquinhas, fraquinhas, como até hoje, já aposentadas. E nós
outros, os filhos da barbárie, e como se fossemos ainda por cima bárbaros,
enfrentando os olhares que partiam de um duro silêncio de reprovação. Do nosso
lado, e nem sabíamos, só o tempo. Invisível, tão grande era a lentidão dos
anos.
Lembro
de uma vez, na fase petista mais remota, de claras intolerâncias nascidas de
jactâncias vitoriosas e reluzentes, quando vi e ouvi o desdém de duas
sociólogas diante da minha pobre ousadia em acreditar pouco na coerência
política desta Aldeia. Partia minha suspeita de uma velhíssima tradição de
quatro séculos. De quando Felipe Camarão, nosso primeiro herói, deixou-se
cooptar com o título de Governador Geral dos Índios do Brasil e nunca mais
lutou por coisa nenhuma, a não ser por seu bocado.
Anos depois, os vermelhos petistas e wilmistas
estavam juntos, ungidos pelos mesmos punhos cerrados daqueles tempos. Aliás,
outro dia, soube da discreta reação de uma petista que largou o partido pela
liderança de uma das oligarquias desta vila. Hoje, Senhor Redator, e de tudo –
além da juventude que perdi – só reclamo não tê-las conhecido nos meus tempos
de solteiro. Bancaria um marxista sedutor e romântico só para provar a
sensualidade daquelas carnes tão belas e tão inutilmente subversivas…
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