terça-feira, 3 de julho de 2012

SEREJO; Da carne ideológica

 Por: Vicente Serejo

Quando entrei na Universidade, Senhor Redator, tinha a pureza de um noivo de Themis, a deusa da Justiça. Só depois, e quem sabe, de descobrir o triste erro de amá-la, larguei a beca que talhara em forma de sonhos sobre os ombros, e fui ser jornalista. Nem assim, humano e vulgar, escapei do furor ideológico daqueles anos de chumbo que pesavam mais pelas suas patrulhas nos corredores acadêmicos e onde cada um, pela consciência política, tinha o dever de ser pelo menos um candidato a guerrilheiro.

 Não mudamos muito, vistos da frase referencial do velho senador Dinarte Mariz, quando dizia que Natal só tinha três comunistas de verdade, por convicção: os irmãos Djalma e Luiz Maranhão, e o médico Vulpiano Cavalcanti. E assim mesmo, por argúcia da sobrevivência, Djalma uma vez aliou-se a Dinarte para espanto de alguns precários desta Aldeia Velha de Felipe Camarão. Tanto é que nunca se inventaram heróis nem pediram indenização a ninguém pelos seus sonhos que morreriam com eles.

 Naqueles tempos, não deixava de ser instigante ver o heroísmo mamulengueiro de certas figuras, de saias e cabelos longos, sempre de protestos em riste. Principalmente as jovens senhoras, algumas de boas carnes, outras nem tanto, sobrancelhas eriçadas, bradando palavras de ordem. Não tinham sequer, muitas delas, lastro cultural. Bastava ser de esquerda. Um modelito jeitoso de ser e não ser, com bom trânsito numa patota que citasse Foucault e Morin, com uma boa pitada do existencialismo sartreano. 

 Algumas delas foram tudo. Ocuparam todos os cargos na vida acadêmica, menos a Reitoria, afinal seria muito feio querer ser reitora ou pró-reitora biônica, sem o voto das bases. Muitas, e sejamos sinceros, eram fraquinhas, fraquinhas, como até hoje, já aposentadas. E nós outros, os filhos da barbárie, e como se fossemos ainda por cima bárbaros, enfrentando os olhares que partiam de um duro silêncio de reprovação. Do nosso lado, e nem sabíamos, só o tempo. Invisível, tão grande era a lentidão dos anos.

Lembro de uma vez, na fase petista mais remota, de claras intolerâncias nascidas de jactâncias vitoriosas e reluzentes, quando vi e ouvi o desdém de duas sociólogas diante da minha pobre ousadia em acreditar pouco na coerência política desta Aldeia. Partia minha suspeita de uma velhíssima tradição de quatro séculos. De quando Felipe Camarão, nosso primeiro herói, deixou-se cooptar com o título de Governador Geral dos Índios do Brasil e nunca mais lutou por coisa nenhuma, a não ser por seu bocado. 

 Anos depois, os vermelhos petistas e wilmistas estavam juntos, ungidos pelos mesmos punhos cerrados daqueles tempos. Aliás, outro dia, soube da discreta reação de uma petista que largou o partido pela liderança de uma das oligarquias desta vila. Hoje, Senhor Redator, e de tudo – além da juventude que perdi – só reclamo não tê-las conhecido nos meus tempos de solteiro. Bancaria um marxista sedutor e romântico só para provar a sensualidade daquelas carnes tão belas e tão inutilmente subversivas…

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