Não
sou de seguir os passos dos rabinos, Senhor Redator. Não sou. Não tenho sequer
um pouco de virtude que opere nesta alma tão pequena o milagre da glória. Mas
os rabinos, às vezes, caem diante dos olhos da gente. Como caiu outro dia o
pequeno ensaio de Nilton Bonder – ‘O crime descompensa’. Talvez tenha sido por
conta de crime, palavra muito em voga na vida e nos jornais. E fui lendo,
cavando aqui e ali uma novidade, até que lá para as páginas tantas dei de cara
com o que ele chama de tabela do humano.
Tenho
minhas desconfianças que a grandeza humana possa caber numa tabela. Mas quem
sou eu, Senhor Redator, para discordar de um rabino especialista nas cabalas do
amor, do poder e do dinheiro. Só anoto uma coisa e outra, curando no rastro
como um rastejador de abelhas. Nada de esquemático fascina a alma deste
cronista de província. Aprendi com o tempo que os esquemas, filhos bastardos do
tecnicismo, empobrecem a visão. Melhor é vê-la romper os limites do apenas
comum, o olho a saltar sobre os muros.
Mas, devo confessar que Bonder faz uma
observação no seu pequeno ensaio tão forte e inesperada que flagra os tolos,
quando avisa: ‘Não confie em ninguém que não seja capaz de assumir suas virtudes
e de reconhecê-las’. Para ele, é preciso ter cuidado com os que descambam para
o angelical. O pior é tentar ser o que não se pode ser. É intrinsecamente
impossível. E dispara como um tiro: quem procura um líder não busca um anjo,
mas um símbolo capaz de fecundar no sentimento coletivo um signo da esperança.
Tivemos
na história política da segunda metade do século vinte dois símbolos fortes,
protetores e provedores: Dinarte Mariz e Aluizio Alves. Ninguém há de negar na
personalidade deles o papel másculo no acasalamento com o sentimento feminino
das massas. Tão fortes e fecundantes que não escaparam do confronto, afinal
eram grandes demais para ficarem juntos e no mesmo lado da uma luta. Foram os
pólos contrários de um conflito tão intenso que definiu o modo de pensar e de
fazer política aqui no Estado.
Voltando a Bonder, um líder de verdade não
pode ser bonzinho, e, pior, apenas para com os seus, bem-intencionado, mas
ineficiente, com mentalidade apenas um pouco mais moderna e menos truculenta do
que um Torquemada. Com uma retórica artificial onde os verbos neutralizem-se
uns aos outros como se nada dissessem. Nunca incluir entre as qualidades
positivas do líder a imposição dos seus argumentos e razões a todas as pessoas,
como se ainda fosse possível diante da sociedade esconder um ego gigante.
Um líder, ensina o rabino, é aquele que ousa,
não teme assumir as suas qualidades no sentido de bem praticá-las, que luta em
favor daquilo que é seu, que lhe pertence como direito e lhe é legítimo como
aspiração. Que não usa a falsa humildade como escudo, não é simplório, não
renega as boas qualidades e o brilho do próprio valor. No líder a vaidade se
expressa na sua grande capacidade de lutar por sonhos e ideais, consciente de
que liderar é conduzir um povo para o bem. Como de fosse uma missão de fé.
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