Outro
dia, não faz muito tempo, andei reclamando aqui dos antigos feriados que
encontrei num velho Almanaque de Lembranças, de 1929, e que há anos cochila nas
prateleiras deste pequeno armazém de livros velhos e de ocasião. Figuras e
datas abandonadas por esta cidade sem memória que esquece seu próprio passado
nas gavetas empoeiradas dos arquivos. Menos de uma semana depois, fui encontrar
nas páginas deste JH o artigo de Ormuz Barbalho Simonetti sobre o exílio do
arquiteto Giácomo Palumbo.
Digo
exílio, Senhor Redator, para não ser indelicado com os viventes daquela ruela.
Também moro numa rua assim, pequena e estreita, mas não há nada em mim que
justifique uma avenida. Já com Palumbo aquela ruela próxima ao cruzamento da
Presidente Bandeira com São José, é um exílio do seu Plano de Sistematização.
Nem um lugar em Tirol ou Petrópolis a cidade encontrou para homenageá-lo com
dignidade. Tem apenas seu nome numa placa de rua onde ninguém sabe quem ele é e
nem o que fez.
Não
preciso lembrar sua história toda contada que foi por Ormuz Barbalho Simonetti,
mas destaco um detalhe que ele ressaltou e que fixa com todos os traços e cores
o retrato trágico de uma cidade ainda tão desmemoriada. Conta nosso historiador
dos iluminados verões de Pipa que um dia, no ano da graça de 1972, o chefe do
arquivo geral da Prefeitura, certamente aborrecido com tanto papel velho, fez
ofício ao então secretário do planejamento solicitando permissão para incinerar
o que julgava imprestável e inútil.
Contam
que veio a resposta concordando, e assim foi feito. Imagino as chamas devorando
tudo, os processos, mapas, fotografias, certidões e relatórios. Era a própria
história da cidade crepitando nos olhos do burocrata ordeiro e exemplar. Nada
restou, a não ser um arquivo limpo e varrido, inútil por não saber contar, com
documentos históricos, a evolução urbana da cidade. E de Palumbo, a placa numa
rua longe do mundo que ele criou, sem inscrição nenhuma. Num exílio injusto,
sem glória e sem consagração.
Foi assim com o sítio histórico da Rampa, hoje
partido ao meio, para no seu chão histórico agora se erguer uma construção
modernosa, a sede do III Distrito Naval. E como se já não bastassem as grandes
áreas militares que cercam o perímetro urbano da cidade. A então governadora
Wilma de Faria consentiu sob o silêncio da Fundação José Augusto, alegando que
a representação local do Patrimônio Histórico tombou apenas a sede da Rampa, na
sua clara demonstração de insensibilidade e, mais que isto, incultura.
Tem razão Ormuz Barbalho Simonetti quando
protesta diante do espaço que a cidade reservou a um dos planejadores do seu
desenvolvimento urbano. Não tem uma herma, uma estátua, um monumento, um
pequeno jardim, uma rua, uma avenida, nada. Pior: a área de Tirol e Petrópolis
sequer foi tombada. Seus canteiros largos estão sendo rasgados para
estacionamentos. E ali na Afonso Perna com a Jundiaí um gênio inventou a
bestialidade de um contra-fluxo, sinal perfeito da mentalidade modernosa que
nos cerca.
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