sábado, 30 de junho de 2012

POROCA: Carregar sapos e engolir pedras

 José Carlos L. Poroca - Advogado, executivo do segmento shopping centers

jcporoca@uol.com.br

 Li ou ouvi em algum lugar que americana come pedras há mais de 20 anos. A notícia também falava que o mesmo distúrbio de Dona Teresa, a personagem, leva as pessoas a comer madeira, roupas, metal e até papel higiênico. Não estou inventando história. Conheci uma senhora - a avó de Lula e Alexandre - que ficava cutucando os tijolos do muro da casa, retirando pedaços e levando-os à boca. Às vezes, ficava com vários pedacinhos na mão como uma espécie de estoque de reserva. Perguntei a alguém, não lembro quem, porque aquela vovó comia barro.

Responderam que o organismo necessitava de ferro e comer barro era uma das formas de atender a carência pleiteada pelo corpo. Anos na frente, vi documentário sobre macacos - estou na dúvida se eram gorilas ou orangotangos - que comiam o que já havia sido descomido. A explicação foi mais ampla: o método servia para reprocessar o que não pode ser absorvido no primeiro processamento.

O processo de sobrevivência imposto pela natureza vai de uma linha que a gente pode chamar de natural ou de instinto - a critério do freguês -, como a que vivem os animais que comem plantas para mexer no metabolismo interno e para 'curar' indisposições, até outra, no campo oposto, onde se encontram as espécies pensantes que se alimentam do necessário, do mais que necessário, do inimaginável e do inusitado, como o personagem da letra/música de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, que comia "vrídio" na Praia de Copacabana para juntar uma graninha.

A história (ficção) já completou 1/2 século e o País, que tem a 7ª ou 8ª economia do mundo, ainda convive com os seus comedores de giletes. Hoje, as lâminas são outras e descem goela abaixo sem pedir 'por favor' ou 'com licença'. Começa pela 'navalha' chamada de imposto de renda, de apetite incontrolável, caminha por uma carga tributária que, de tanto receber medalhas de prata e ouro, não pode mais concorrer, é hors-concours. A fila aumenta com a compensação que precisa ser dada para cobrir os buracos dos que 'bicam' um naco aqui e outro ali, produzindo o que pode ser chamado de esforço improdutivo para quem paga tributo, ou, de outro modo, um passo para frente e dois para trás.

O Brasil desenvolvido ainda tem outros tipos de comedores de giletes: os que vão para os lixões atrás de sobras e do sustento; os que comem produtos com volume e peso, que dão a sensação de 'boa sustância'; e os que colocam para dentro o que lhes aparece: preás, lagartos e assemelhados, tanajuras e tatus, para completar a carga. Há outro tipo, especial, que um dia foi chamado de classe média. Não a de hoje, que subiu degraus sem preencher os requisitos de renda para a classificação adequada.

A classe média brasileira 'prepetê' - aquela que se enquadrava numa determinada faixa de renda para ficar entre os ricos e os pobres - está no desgastante estica e puxa, sendo obrigada a um esforço inglório de ter que carregar sapos e engolir pedras, sem poder fazer cara feia, numa situação muito parecida com a dos hermanos argentinos: sem tango e com remota chance de volta.

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