Há
alguns meses, acho que ainda no início do ano, registrei aqui o lançamento do
Dicionário do Cavalo – grandeza e legado, de Claudio Fornari e Lannes Caminha,
edição do Senado Federal. Volume de quinhentas páginas, com mancha impressa
disposta em duas colunas, e que já nasceu com o timbre dos livros
indispensáveis. Do que nos fala de perto, e é justo citar, a presença na
bibliografia de Veríssimo de Melo e Oswaldo Lamartine, assim como uma estranha
ausência do grandioso sertão de Câmara Cascudo.
Deixei
prometido que falaria do cavalo nordestino, nascido do chão e das águas velhas
dos rios da tradição sertaneja. Para não ser acusado de deslembrado, pago a
dívida. Convivi com Oswaldo Lamartine e, da convivência, nutri uns tantos
saberes e uns tantos gostos, todos refinados, daí – pra que negar? – o requinte
de algumas presenças silenciosas nestas prateleiras. Como duas edições, uma
mais nova e mais completa, do Livro de Ensinança de Bem Cavalgar toda Sela, do
prendadíssimo El-Rey Dom Duarte.
Oswaldo
conhecia como poucos a história do cavalo. Era por gosto e prazer que falava
sobre a origem do cavalo nordestino que um dia foi nobre, vindo dos velhíssimos
prados da Península Ibérica para se adaptar ao sertão, e formando, o homem e o
bicho, um conjunto perfeito. Baixo e mirrado, como ele gostava de dizer, de
andadura segura e casco rígido a suportar, sem medo e sem dor, o chão duro do
sertão; pulmão forte, esgueirando-se, o vaqueiro e o homem, debaixo da galharia
espinhosa da caatinga.
Pois
bem. Conhecia e usava a expressão Marialvas, de origem portuguesa, século
dezessete, e que se usava para designar a qualidade de bom cavaleiro, discípulo
do Marquês de Marialva. Tanto sabia que dizia ter sido Eloy de Souza um dos
maiores Marialvas no sertão do Rio Grande do Norte, no toque leve e majestoso
das rédeas. Mas, estranhamente, não fez constar no seu Vocabulário do Criatório
que escreveu de parceria com Guilherme de Azevedo com duas edições, a segunda
de 1997, esta revisada e definitiva.
E se não fez constar os verbetes Marialvas e
Marialvismo, como estão nas páginas do Dicionário do Cavalo, foi por alguma
razão. Nada naqueles seus olhos miúdos e enxutos sobrava ou faltava quando
derramados sobre a paisagem íntima do sertão. A explicação está na página 81 do
seu Vocabulário, no verbete Galvão. Talvez, para o desavisado do mundo
sertanejo, tivesse sido mais objetivo fazer a entrada na letra ‘s’ – Sinais de
Galvão. Preferiu assim, desobrigando o leitor da busca pela vaga expressão
sinais.
Na
verdade, Senhor Redator, e salvaguardados esses detalhes, é essencial fixar a
importância dos Sinais de Galvão para que o leitor não julgue ser esta conversa
um devaneio vadio e sem prumo. Oswaldo preferiu ir ao sertão para registrar ter
sido Galvão ‘mestre entre a vaqueirice do sertão velho’, o autor das regras
seletivas para os cavalos ‘baseadas em seu exterior’. E completa: ‘Até hoje o
seu nome é sinônimo de grande conhecedor de cavalos’. E vai citar todas as suas
leituras que começam em Florival Seraine.
Oswaldo
ergue o verbete Galvão sem medir espaço, cheio de citações, preenchendo o vazio
que ficara na primeira edição do Vocabulário do Criatório, pelo Serviço de
Informação Agrícola, Coleção Estudos Brasileiros n. 23, Rio, 1966. Na verdade,
ele leu o único exemplar original que existe no Brasil, no Real Gabinete
Português de Leitura do livro Arte de Cavalaria de Gineta e Estardiota; bom
humor de ferrar e alveitaria. E só para saber a origem de Galvão e seus sinais,
bons e maus, no clássico português.
Os Sinais de Galvão foram polêmicos no Ceará.
Martinz de Aguiar publicou artigo sobre suas raízes na Revista do Instituto
Histórico do Ceará em 1934, e foi contestado pelo folclorista Leonardo Motta no
jornal A Rua, novembro do mesmo ano. Aguiar respondeu, fechando o debate. Na
Antologia do Folclore Cearense, Lourival Seraine, o organizador, não abrigou a
luta. Fez constar o artigo de Martinz de Aguiar para representá-lo e de
Leonardo Mota o ensaio A Poesia dos Cantadores, retirado do livro Cantadores,
prefácio de Câmara Cascudo. É tudo que existe aqui, Senhor Redator, sobre Os
Sinais de Galvão. Fica o registro da ausência no Dicionário do Cavalo. Eis a
paga, portanto, da dívida prometida.
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