segunda-feira, 11 de junho de 2012

SEREJO: Da Ensinança de bem cavalgar

Por: Vicente Serejo

Há alguns meses, acho que ainda no início do ano, registrei aqui o lançamento do Dicionário do Cavalo – grandeza e legado, de Claudio Fornari e Lannes Caminha, edição do Senado Federal. Volume de quinhentas páginas, com mancha impressa disposta em duas colunas, e que já nasceu com o timbre dos livros indispensáveis. Do que nos fala de perto, e é justo citar, a presença na bibliografia de Veríssimo de Melo e Oswaldo Lamartine, assim como uma estranha ausência do grandioso sertão de Câmara Cascudo.

Deixei prometido que falaria do cavalo nordestino, nascido do chão e das águas velhas dos rios da tradição sertaneja. Para não ser acusado de deslembrado, pago a dívida. Convivi com Oswaldo Lamartine e, da convivência, nutri uns tantos saberes e uns tantos gostos, todos refinados, daí – pra que negar? – o requinte de algumas presenças silenciosas nestas prateleiras. Como duas edições, uma mais nova e mais completa, do Livro de Ensinança de Bem Cavalgar toda Sela, do prendadíssimo El-Rey Dom Duarte.

Oswaldo conhecia como poucos a história do cavalo. Era por gosto e prazer que falava sobre a origem do cavalo nordestino que um dia foi nobre, vindo dos velhíssimos prados da Península Ibérica para se adaptar ao sertão, e formando, o homem e o bicho, um conjunto perfeito. Baixo e mirrado, como ele gostava de dizer, de andadura segura e casco rígido a suportar, sem medo e sem dor, o chão duro do sertão; pulmão forte, esgueirando-se, o vaqueiro e o homem, debaixo da galharia espinhosa da caatinga.

Pois bem. Conhecia e usava a expressão Marialvas, de origem portuguesa, século dezessete, e que se usava para designar a qualidade de bom cavaleiro, discípulo do Marquês de Marialva. Tanto sabia que dizia ter sido Eloy de Souza um dos maiores Marialvas no sertão do Rio Grande do Norte, no toque leve e majestoso das rédeas. Mas, estranhamente, não fez constar no seu Vocabulário do Criatório que escreveu de parceria com Guilherme de Azevedo com duas edições, a segunda de 1997, esta revisada e definitiva.

 E se não fez constar os verbetes Marialvas e Marialvismo, como estão nas páginas do Dicionário do Cavalo, foi por alguma razão. Nada naqueles seus olhos miúdos e enxutos sobrava ou faltava quando derramados sobre a paisagem íntima do sertão. A explicação está na página 81 do seu Vocabulário, no verbete Galvão. Talvez, para o desavisado do mundo sertanejo, tivesse sido mais objetivo fazer a entrada na letra ‘s’ – Sinais de Galvão. Preferiu assim, desobrigando o leitor da busca pela vaga expressão sinais.

Na verdade, Senhor Redator, e salvaguardados esses detalhes, é essencial fixar a importância dos Sinais de Galvão para que o leitor não julgue ser esta conversa um devaneio vadio e sem prumo. Oswaldo preferiu ir ao sertão para registrar ter sido Galvão ‘mestre entre a vaqueirice do sertão velho’, o autor das regras seletivas para os cavalos ‘baseadas em seu exterior’. E completa: ‘Até hoje o seu nome é sinônimo de grande conhecedor de cavalos’. E vai citar todas as suas leituras que começam em Florival Seraine.

Oswaldo ergue o verbete Galvão sem medir espaço, cheio de citações, preenchendo o vazio que ficara na primeira edição do Vocabulário do Criatório, pelo Serviço de Informação Agrícola, Coleção Estudos Brasileiros n. 23, Rio, 1966. Na verdade, ele leu o único exemplar original que existe no Brasil, no Real Gabinete Português de Leitura do livro Arte de Cavalaria de Gineta e Estardiota; bom humor de ferrar e alveitaria. E só para saber a origem de Galvão e seus sinais, bons e maus, no clássico português.

 Os Sinais de Galvão foram polêmicos no Ceará. Martinz de Aguiar publicou artigo sobre suas raízes na Revista do Instituto Histórico do Ceará em 1934, e foi contestado pelo folclorista Leonardo Motta no jornal A Rua, novembro do mesmo ano. Aguiar respondeu, fechando o debate. Na Antologia do Folclore Cearense, Lourival Seraine, o organizador, não abrigou a luta. Fez constar o artigo de Martinz de Aguiar para representá-lo e de Leonardo Mota o ensaio A Poesia dos Cantadores, retirado do livro Cantadores, prefácio de Câmara Cascudo. É tudo que existe aqui, Senhor Redator, sobre Os Sinais de Galvão. Fica o registro da ausência no Dicionário do Cavalo. Eis a paga, portanto, da dívida prometida. 

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