Ao
todo, no estado de São Paulo, Polícia Militar é responsável por até seis vezes
mais mortes que a Polícia Civil
A
PM (Polícia Militar) matou seis vezes mais pessoas durante ações de combate ao
crime do que seus pares da Polícia Civil em São Paulo no ano de 2011, segundo
levantamento feito pela BBC Brasil.
O
grau de letalidade da polícia no Estado mais populoso do país se insere no
debate sobre a recomendação da abolição do sistema separado de Polícia Militar
– feita ao Brasil no Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU no último dia
25.
A
questão também deve entrar em debate em junho na Câmara, a pedido do deputado
federal Chico Lopes (PC do B-CE).
O
levantamento da BBC Brasil foi feito com base em estatísticas fornecidas pela
SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo).
Ele
levou em conta os efetivos da PM (100 mil) e da Polícia Civil (30 mil) e os
homicídios cometidos em serviço por membros de cada entidade em 2011 – 437 pela
PM e 23 pela Polícia Civil.
Proporcionalmente,
para cada grupo de 10 mil policiais, a PM se envolveu em 43 mortes e a Polícia
Civil em sete.
Militarismo
Esses
homicídios são classificados pelo governo como “resistência seguida de morte”.
Isso significa que ocorreram durante o combate ao crime, em tese, quando os
policiais se defendiam de supostas agressões dos suspeitos.
-
A PM mata porque tem o mesmo treinamento do militar (das Forças Armadas), que
combate inimigos externos. Isso é uma coisa que se deve discutir com a
sociedade – disse o deputado Lopes, que defende a unificação das polícias no
Brasil em uma entidade civil.
-
Minha preocupação não é com o nome, mas com o conceito da polícia. Precisamos
tirar o militarismo e depois discutir currículo de formação para que todos (os
policiais) comecem (a carreira) em pé de igualdade – disse.
Funções
distintas
Segundo
a SSP-SP, a diferença nos níveis de letalidade das polícias se explica nas
funções que cada uma exerce. À PM cabe o policiamento preventivo e ostensivo e
à Polícia Civil a investigação.
-
É natural, portanto, que a PM enfrente situações de confronto muito superiores
aos da Polícia Civil. Em consequência, registram-se mais mortes na ação do
policiamento ostensivo – afirmou a pasta em nota.
Segundo
a SSP-SP, se as polícias militares fossem substituídas ou se seus nomes fossem
mudados, a probabilidade de confrontos não seria reduzida.
-
Matar não é direito nem de uma nem da outra, mas a questão principal é que as
polícias não se entendem bem – disse Chico Lopes.
Segundo
especialistas ouvidos pela BBC Brasil, em muitos Estados (inclusive São Paulo)
existe uma disputa entre as polícias militares e civis.
Isso
faz com que ambas possuam tanto órgãos destinados à inteligência e à
investigação como equipes táticas usadas em patrulhamento ostensivo e
confrontos de natureza tática com criminosos.
-
O antagonismo (entre as polícias) surgiu das culturas diferentes. Há uma
divisão por preconceito de longa data. Principalmente a PM tem procurado ocupar
espaços de sua co-irmã. Isso é uma realidade em todo o país – afirmou o
sociólogo Luís Flávio Sapori, ex-secretário da Defesa Social de Minas Gerais e
hoje professor da PUC-MG.
Segundo
ele, a desarticulação e a desintegração entre as duas polícias é hoje um
problema mais grave do que a militarização da PM.
Rio
de Janeiro
A
BBC Brasil solicitou estatísticas sobre a letalidade das polícias militar e
civil no Rio de Janeiro ao ISP (Instituto de Segurança Pública), autarquia que
divulga as estatísticas policiais no Estado.
O
ISP não forneceu os dados. Afirmou que essas estatísticas são divulgadas de
forma genérica (sem distinção entre mortes envolvendo policiais civis e
militares). Ao todo, foram 523 mortes em 2011 – 63 a mais que as ocorridas em
São Paulo no mesmo período.
-
O detalhamento desse tipo de solicitação demandaria tempo e dispêndio de
recursos humanos – afirmou a autarquia. O ISP informou que “a transparência da
informação é meta prioritária” em suas publicações.
Santa
Catarina
Entre
os demais Estados, o único que possuía a estatística de letalidade especificada
em seu site na semana passada era Santa Catarina.
Lá,
foram registradas 58 mortes em 2011, sendo que a Polícia Militar matou quatro
vezes mais que a Polícia Civil.
O
Secretário de Segurança Pública de Santa Catarina, César Augusto Grubba, também
afirmou que as diferenças de atribuições das polícias explicam a diferença nos
índices de letalidade.
As
atividades da Polícia Civil, segundo ele, expõem seus integrantes a ambientes
mais controlados, “pois as ações geralmente são planejadas e previamente
estudadas, resultando em menores possibilidades de confronto e resistência
armada”.
Nações
Unidas
O
debate sobre a extinção da PM foi levantado durante a Revisão Periódica
Universal, uma sabatina à qual os países são submetidos periodicamente no
Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Nela,
um conjunto de enviados de 78 países fez perguntas e elaborou 170 recomendações
ao Brasil na área de direitos humanos.
A
recomendação para que o Brasil acabe com o sistema separado de Polícia Militar
partiu da delegação da Dinamarca.
O
país recomendou a desmilitarização da polícia com investimentos de Estado e
observância de “medidas para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais
pela polícia”.
Os
homicídios cometidos por policiais classificados como “resistência seguida de
morte” ou “autos de resistência” já haviam sido estudados pela ONU no Brasil.
Foram
analisados 11 mil casos com essa classificação, ocorridos entre 2003 e 2009 em
São Paulo e no Rio.
Em
2010, o enviado da ONU Philip Alston afirmou ter evidências de que parte dessas
mortes eram na realidade execuções ilegais.
Na
Revisão Periódica Universal de maio, a Alemanha e a Namíbia também recomendaram
ao Brasil lutar contra homicídios arbitrários cometidos pelas polícias.
Reação
A
SSP-SP afirmou que “considera absurda a sugestão de extinguir as polícias
militares dos Estados brasileiros, presente no relatório”.
-
É uma proposta que carece de fundamentação e de conhecimento das realidades
jurídica e cultural da sociedade brasileira – diz a nota da pasta.
-
Soa até como piada pronta o fato de a ideia ter surgido da Dinamarca, um país
que é quase seis vezes menor que o Estado de São Paulo e dono de situação
socioeconômica bem diferente (e mais simples) da encontrada no Brasil.
A
pasta também argumenta que a existência das duas polícias está prevista na
Constituição Federal.
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