De
vez em quando, Senhor Redator, esta coluna paga um tributo pela pobre ousadia
de noticiar o que alguns consideram segredos de sacristia. É que para alguns
clérigos mais conservadores o sol forte da opinião pública não deve cair sobre
as igrejas entrando pelas frestas. Não notam que hoje os olhos do mundo não
estão mais fora dos muros do Vaticano e por isso se surpreendem, habituados ao
jogo de poder que durante séculos foi pecado, quando eram pecadores os que
tentavam descobrir seus segredos.
O
nariz de cera, bem de doze, é só para dizer que no dia 15 de abril o jornal
Público, de Lisboa, estampava na primeira página da edição de domingo, o mais
lida pelo católico povo português, a crise que desabou sobre o Vaticano. Ainda
não era como depois passou a ser, um noticiário intenso, além de alguns textos
de especialistas italianos, numa realidade aberta. Ali o jornal já denunciava, e com amplos
detalhes, o que chamou de uma perda de controle do Papa Bento XVI e de um perigoso
clima de cisma.
A
Igreja sempre enfrentou crises ao longo dos seus mais de dois mil anos. Se de
um lado sua bela longevidade a faz eterna, de outro gera por isso mesmo uma
disputa de espaços entre dogmas e leis. Não é difícil para os grandes analistas
europeus essa tarefa de identificar os problemas e fragilidades de uma Igreja
que ao mesmo tempo é Estado. Mesmo quando envolve a vida de sua santidade, o
Pontífice, a quem a tradição ungiu acima do erro quando prega a palavra de
Deus, mas é humano enquanto chefe.
Imagine se esta coluna provinciana, por alguma
razão curiosa, começasse um texto sobre nossa Cúria Natalense, assim: ‘A Cúria
Romana tornou-se um monstro ingovernável que o próprio Papa, de perfil,
sobretudo, intelectual e acadêmico, já não consegue controlar’. Pois é assim
que começa o longo texto de António Marujo, correspondente do jornal Público
junto ao Vaticano. E logo depois afirma de vez: ‘A estrutura central do
catolicismo parece colada com cuspo. Bento XVI já não tem mão na Cúria’.
Isto mostra, Senhor Redator, que não há mais
espaço inviolável no mundo. Nem na Igreja. A não ser os seus sacrários. E não é
lá que estão – acredite – os muitos e graves interesses que hoje gravitam em
torno dos velhos muros vaticanos. Dentro e fora há articulações que pelejam
entre conflitos e tradições hoje contestadas, e denúncias de corrupção, como o
roubo de cartas e documentos dirigidos ao Papa, fato que acabou determinando a
prisão do seu mordomo, o que não é comum na vida da Cúria Romana.
Culto, embora demonstrando não ser mais um
administrador de pulso forte, Bento XVI há pouco tempo, na sua fala no
Consistório, ao anunciar a nomeação de 22 novos cardeais, avisou àqueles que
ainda tinham dúvidas que não acreditassem, como futuros administradores, nos
‘sonhos de glória’. Cardíaco e frágil, mesmo discreto na doença, Sua Santidade
sabe da força política incontrolável do ambicioso cardeal Tarcisio Bertone. É
mais ousado do que ele próprio foi no reinado de João Paulo II.
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