Quando o deputado federal Ronaldo Caiado, por fim,
abrandou o discurso e aceitou, naquela quarta-feira 29 de agosto, votar
favoravelmente ao relatório da
Comissão Especial, levantou-se a senadora Kátia Abreu, presidente da poderosa
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e lhe beijou a face. O
carinhoso gesto, aplaudido de pé, simbolizava o recuo dos ruralistas radicais,
permitindo o acordo de votação sobre o Código Florestal. Rara unanimidade.
No dia seguinte a Folha de S.Paulo estampava: Governo
faz concessões a ruralistas. O Estado de S. Paulo também
destacava: Novo Código Florestal beneficia ruralistas. Curiosamente, as
manchetes invertiam a realidade dos fatos. Interessante. Nessa discussão da lei
ambiental, as notícias sempre tenderam a desfavorecer o campo. Por que será?
O assunto básico da Medida Provisória 571 recai
sobre as chamadas áreas de preservação permanente (APPs), especialmente aquelas
situadas nas margens dos rios. Qual a divergência básica entre ruralistas e
ambientalistas? Estes propõem regredir a produção nesses locais, obrigando os
agricultores a recuperá-los com vegetação nativa, numa distância mínima de 30
metros ao longo dos cursos d'água.
Os ruralistas, ao contrário, querem manter os terrenos já ocupados
historicamente, consolidando neles a agropecuária.
No acordo de
votação, definiu-se a querela: na situação mais comum, de propriedades médias,
em rios estreitos a faixa obrigatória de recuperação ambiental será de 15
metros. Nem zero, nem 30 metros, exatamente a metade. Para aceitar o trato os
ambientalistas exigiram que os rios intermitentes também participassem da regra
ecológica. Os ruralistas, contrariados, tiveram de ceder.
Vários outros detalhes da legislação florestal,
agora definida, comprovam ter funcionado o mote anterior. Buscou-se uma
composição capaz de assegurar equilíbrio entre as posições da produção
agropecuária e da preservação ambiental. Nem lá, nem cá. A concertação política
realizada expressa uma decisão típica, em matérias complexas, dos regimes
democráticos maduros. Nem vencidos, nem vencedores. Bom para a sociedade.
No Brasil, porém, as coisas se passam de forma um
pouco diferente. Certo preconceito da sociedade urbana, exacerbado recentemente
pelo discurso agressivo dos ecologistas, leva os formadores de opinião a tomar
posição, invariavelmente, contra os produtores rurais. Estes são os "do
mal"; os ambientalistas, "do bem". Triste concepção.
No polarizado debate sobre o Código Florestal, os
ruralistas jamais defenderam a possibilidade, muito menos a facilidade, de
realizar novos desmatamentos nas matas ciliares. O bicho pegou no suposto
"passivo ambiental" da agricultura. Esse conceito, moderno, se refere
àquelas áreas que deveriam ter sido mantidas com vegetação nativa, mas acabaram
sendo incorporadas à agricultura. Parte desses locais - situados nas encostas
montanhosas, nas beiradas de rios e lagoas, no topo dos morros - serve hoje à
produção rural, lavouras e pastagens. Ademais, eles recebem residências e
instalações, geram trabalho e riqueza.
Os ruralistas queriam a regularização dessa ocupação histórica,
livrando-se da conta de um passivo que, a bem da verdade, se existir, pertence
a toda a sociedade. Afinal, foi exatamente a expansão agrícola do passado que
permitiu o desenvolvimento apreciado no presente. Vale o mesmo para a
"reserva legal" das propriedades rurais.
Segundo o Código Florestal, além das áreas de
preservação permanente, um porcentual da fazenda, variável conforme a região e
o bioma, deveria ser excluído da exploração agropecuária. Por aqui, no Sul e no
Sudeste do País, esse pedaço de preservação é de 20%. Por várias razões, porém,
a lei nunca foi devidamente cumprida. Pois bem, agora o acordo obriga os
produtores rurais a compensarem a supressão florestal realizada anteriormente.
Não será tarefa fácil. Fórmulas alternativas
procuram torná-la viável. O agricultor, por exemplo, pode recompor suas
próprias matas; pode, ainda, adquirir florestas noutros locais, mantendo-as
intactas, compensando as que não tem na sua fazenda. Todos precisam
regularizar, ambientalmente, sua propriedade. Mas, perceba, nenhum ruralista
defendeu a extinção das reservas legais, nem quis facilitar a derrubada de
florestas virgens. Nada disso. O problema fundamental residia em como
regularizar o passado.
Na leitura da sociedade, entretanto, ficou a pecha
de que os agricultores são "criminosos ambientais". Imperou o
raciocínio simplista, estimulado por certo ambientalismo fundamentalista, de
tipo messiânico, que agrada aos jornalistas especializados em vender notícias
fortes, sensacionalistas. Os verdadeiros dilemas, que denomino agroambientais,
cuja resolução significa um difícil acerto de contas entre o passado e o
presente, sucumbiram no jogo da comunicação.
O pior, porém, estava por vir. Lendo os jornais
daquele dia, a presidente Dilma Rousseff, assustada com o famigerado acordo com
os ruralistas, repreendeu de pronto a sua equipe. Resultado: na semana
seguinte, prestes a ser votado no plenário da Câmara dos Deputados, o acerto
miou. O senador Jorge Viana, petista de carteirinha, engenheiro florestal, o
principal fiador da articulação congressual nessa matéria do Legislativo
federal, engoliu as suas palavras. Estaca zero.
O governo federal preferiu desmoralizar a boa
política, que no fundo patrocinara, a vender à opinião pública uma imagem
associada ao ruralismo. Daí surgiu a cena do bilhetinho de Dilma, rechaçando a
solução de compromisso pelas regras da democracia. Sua atitude maltrata o
campo, despreza o passado. Infeliz país que trata com desdém seus agricultores.
* AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E
SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR
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