Como acredito em Michel Henry, para quem a barbárie
não vem da rudeza intelectual, como seria comum pensar, vivo convencido de que
a intolerância nasceu com os nobres e foi viver, para sempre, na cabeça das
elites. Quanto mais fechadas, maiores os privilégios.
Umas blindadas por tendência natural; outras por
estratégia, sempre unidas por uma espécie de contaminação corporativista
inevitável. Ainda que quase todos eles tenham chegado pelo caminho do mérito,
quando lá chegam, se tornam cúmplices.
Ao desembarcar aqui,
a família real vinha tangida pelo medo de Napoleão invadir Portugal. Tanto
temia perder o brilho do cetro e da coroa que fundou um arremedo de império,
pois naturalmente trazia na bagagem, além de ouro e prata, os livros para a
futura Biblioteca Nacional e os prelos a partir dos quais nasceria a Impressão
Régia. E como idéias são idéias, e posto que é impossível prendê-las, logo
nasceria aqui o sentimento de um pendor bacharelesco a cintilar no rubi dos
anéis dos nossos bacharéis das leis.
E surgiriam os dois grandes centros formadores da
mentalidade: um no Largo de São Francisco, em São Paulo; e outro em Recife.
Duas escolas que modelariam o pensamento jurídico
e social brasileiro, sem prejuízo da importância de outras usinas de diplomas.
Nelas germinaram as idéias novas e as lutas contra a escravidão, a favor do
ideal republicano e da liberdade de expressão. Nada foi mais importante na
formação da identidade brasileira que o bacharelismo nos tribunais, nas ruas,
nos jornais, na política.
Só na segunda metade do Século XX, principalmente
no regime autoritário, nasceu a figura do tecnocrata. Filho da academia que
passou também a ser formadora de economistas e administradores, foi o tipo
ideal para servir aos poderosos desqualificados com sua linguagem cifrada, um
código ordenador de idéias reunidas em torno de projetos técnicos, fechados num
círculo de fogo. Só os tecnocratas sabiam fazê-los e só eles eram capazes de
examiná-los e aprová-los para o Estado financiar as obras públicas.
Como não tínhamos – e não temos até hoje –
carreiras funcionais nascidas da qualificação acima de dos critérios familiares
e políticos, a força dominadora dos tecnocratas não suportou o peso do processo
de redemocratização. Refestelados nos gabinetes poderosos e a eles servindo,
nem notaram que o debate caminhava para a construção do estado democrático de
direito e, nele, até inevitavelmente, os bacharéis estariam de volta ao poder,
já que o saber da lei, bem ou mal, impõe domínios individuais e coletivos.
E veio corporativismo. Eis o veneno. Formou-se uma
enorme casta com suas sub-castas, untadas por privilégios. Muitos, legalmente
bem urdidos a partir do jogo político. Algumas vezes, no tráfico de influência.
Lá estavam os bacharéis na Constituinte, atuando no Senado e na Câmara. Por
vezes, fazendo as leis que operariam. A redemocratização é um processo de
conquistas com o sol da opinião pública que a tudo ilumina. Por isso veio a Lei
de Acesso à Informação.
E flagrou o incômodo que espanta a todos.
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