Conheci
Walter Dore aprendiz de repórter. Começo dos anos setenta, antes de ser amigo
de José Delfino, seu genro, médico e marido de Margareth que também é médica.
Foi nosso grande símbolo de resistência diante das grandes indústrias, mas sem
ostentar. Com suas raízes inglesas, cumpria o destino de não saber se render.
Entrevistei-o algumas vezes. Discreto, nunca se deixou fascinar pelas propostas
dos grandes concorrentes. Resistia a tudo com aqueles olhos azuis mergulhados
numa luta desigual.
Uma
vez, num verão de Ponta Negra, na sua casa de alpendres abertos para o mar,
conversamos em torno de uma feijoada. Então provoquei só para ouvi-lo contar
como era resistir com seu guaraná e sua Grapette ao furor da Coca-cola que
nunca entendeu a teimosia de uma pequena fábrica de Natal. Era dura a luta, mas
vi que era prazerosa. Não era por vaidade que resistia aos monstros da
concorrência, mas por questão de princípio. De um velho compromisso com ele
mesmo e com a sua própria história.
Uma
vez publiquei aqui na coluna que Márcia Carrilho estava decidida a suspender
suas férias em Natal pela falta de duas coisas que considerava imprescindíveis:
homens interessantes e clube soda para o uísque. No dia seguinte chegou lá em
casa uma camionete da fábrica Dore. Trazia uma grade com 24 garrafas de água
inglesa, aquela mais fortemente gaseificada que ele fazia para seu consumo
pessoal, com um cartão dizendo que a água para tomar o uísque a Dore garantia,
mas não fabricava homens.
Delfino
sabia despertar seu humor, apesar daquela aparente sisudez por trás do bigode.
Quando foi morar na Inglaterra para fazer o doutorado na área de
anestesiologia, combinou com o sogro que a comemoração da aprovação da tese
seria com um belo porre num pub inglês. E que voltariam pelas ruas cantando o
hino do ABC. Dia marcado, tese defendida e aprovada com louvor, beberam até o
pub fechar as portas e saíram aos gritos pelas ruas cantando aquele ABC clube
do povo, campeão das multidões…
Uma
vez, na Fiern, há uns bons anos, lembrei da animação daquela feijoada na sua
casa, em Ponta Negra. E ouvi quando reclamou dessa Ponta Negra de hoje, cheia
de turistas, bares, restaurantes e hotéis. Sem os veranistas do seu tempo, sem
mais veranear com todos os filhos e netos na mesma casa.
Resistiu
enquanto deu com os seus vasilhames de vidro. Principalmente da Grapette, uma
marca forte de sua presença. Até que as garrafas pet começaram a chegar.
Práticas, descartáveis, poluindo o mundo.
Ontem,
estava na Redinha, olhando aquele sol sobre um azul belíssimo – como se julho
por um instante antecipasse as cores de setembro – quando Delfino ligou. Contou
um pouco da luta nos seus últimos dias de vida, e se despediu. E fiquei
pensando, com os olhos boiando nas águas calmas do meu mar antigo: Dore é um
traço da fisionomia de Natal que se apaga. Da cidade que aos poucos, em nome da
modernidade, vai ficando cheia de desconhecidos. Sem notar que é assim que
nasce a grande solidão.
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