sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Serejo: O que é a natureza

Por: Vicente Serejo

Veja Senhor Redator, o que é a natureza. Enquanto a cada dia vou tendo mais certeza de que a minha nova frustração é não ter sido pastor evangélico e dono de uma igreja, dessas que preparam as almas deste mundo para o mistério dos últimos dias, vejo que a prefeita Micarla de Souza não gostou nem um pouco do que noticiou a revista Época. Certo, inventou. Afinal não é verdade. Mas se fosse, que de mal teria, se hoje há tantas igrejas cuidando dos nossos pecados nesse mundo de meu Deus?

Não discordo do cuidado das pessoas que exercem a vida pública contra as falsas notícias que nascem não se sabe de onde e ficam andando por ai. Confesso que até nesse sentido já fui muito mais radical. Hoje compreendo melhor a maldade humana. Mais jovem, reagia a tudo prontamente. Adorava provocar e ser provocado. Com o tempo, fui relevando tudo. A idade ensina a gente a pesar e sopesar as misérias e grandezas da carne humana como se a alma fosse morar separada, num lugar distante.

Sim, voltando à vaca fria, hoje seria um pastor. Não seria santo, daquela santidade que de tão falsa chega a ser antipática. De uma santidade mediana, suportável como artifício. De preferência, com um leve toque de magia se por acaso faltasse um certo ar de misticismo. E pregaria na minha igreja as profecias dos últimos dias até por acreditar que o mundo anda perto de se acabar. Se não sucumbiu em sessenta e se resistiu a tantos cataclismos, desses tempos de hoje, tenho impressão, não vai passar.

Modéstia parte, Senhor Redator, não teria tanta dificuldade assim em subir ao púlpito, como os novos pregadores. E de braços abertos alertar as poucas almas que lá estivessem do perigo da soberba nesse mundo de danações. Principalmente do veneno que é a falsa bondade, aquela que esconde toda a vaidade do mundo. Faria orações fortes e poderosas para afugentar os falsos humildes que na calada da noite e nos lugares mais escondidos da alma colecionam troféus na avareza da incurável vaidade.

Hoje vejo que foi bobagem minha, naqueles dias de juventude, discordar da força da expressão como ungüento, cataplasma e curativo para todas as feridas que a vida vai abrindo como chagas na carne da gente. Nem liguei. Dei tudo por visto e ouvido, e segui. Faltou acreditar na eloqüência da palavra, na força dos gestos, na magia do drama, na chama do riso que incendeia a comédia. E fiquei aqui a insistir na tolice de consertar o mundo ao invés de fazer do medo a boa moeda da gratidão.

Ora, Senhor Redator, nunca imaginei descobrir que os padres fossem homens tão comuns e tão parecidos com os pecadores. Há quem veja nesta descoberta um pobre homem de pouca fé e de olhos caídos nas águas da blasfêmia. E, no entanto, aqui está um velho devoto de Nossa Senhora da Conceição que justamente por tê-la assim, como uma grande mãe, deixou de ser um pastor de almas com medo do pecado. Numa pequena igreja de subúrbio, anônimo e feliz, como se fosse um santo.

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