Veja
Senhor Redator, o que é a natureza. Enquanto a cada dia vou tendo mais certeza
de que a minha nova frustração é não ter sido pastor evangélico e dono de uma
igreja, dessas que preparam as almas deste mundo para o mistério dos últimos
dias, vejo que a prefeita Micarla de Souza não gostou nem um pouco do que
noticiou a revista Época. Certo, inventou. Afinal não é verdade. Mas se fosse,
que de mal teria, se hoje há tantas igrejas cuidando dos nossos pecados nesse
mundo de meu Deus?
Não
discordo do cuidado das pessoas que exercem a vida pública contra as falsas
notícias que nascem não se sabe de onde e ficam andando por ai. Confesso que
até nesse sentido já fui muito mais radical. Hoje compreendo melhor a maldade
humana. Mais jovem, reagia a tudo prontamente. Adorava provocar e ser
provocado. Com o tempo, fui relevando tudo. A idade ensina a gente a pesar e
sopesar as misérias e grandezas da carne humana como se a alma fosse morar
separada, num lugar distante.
Sim,
voltando à vaca fria, hoje seria um pastor. Não seria santo, daquela santidade
que de tão falsa chega a ser antipática. De uma santidade mediana, suportável
como artifício. De preferência, com um leve toque de magia se por acaso
faltasse um certo ar de misticismo. E pregaria na minha igreja as profecias dos
últimos dias até por acreditar que o mundo anda perto de se acabar. Se não
sucumbiu em sessenta e se resistiu a tantos cataclismos, desses tempos de hoje,
tenho impressão, não vai passar.
Modéstia
parte, Senhor Redator, não teria tanta dificuldade assim em subir ao púlpito,
como os novos pregadores. E de braços abertos alertar as poucas almas que lá
estivessem do perigo da soberba nesse mundo de danações. Principalmente do
veneno que é a falsa bondade, aquela que esconde toda a vaidade do mundo. Faria
orações fortes e poderosas para afugentar os falsos humildes que na calada da
noite e nos lugares mais escondidos da alma colecionam troféus na avareza da
incurável vaidade.
Hoje
vejo que foi bobagem minha, naqueles dias de juventude, discordar da força da
expressão como ungüento, cataplasma e curativo para todas as feridas que a vida
vai abrindo como chagas na carne da gente. Nem liguei. Dei tudo por visto e
ouvido, e segui. Faltou acreditar na eloqüência da palavra, na força dos
gestos, na magia do drama, na chama do riso que incendeia a comédia. E fiquei
aqui a insistir na tolice de consertar o mundo ao invés de fazer do medo a boa
moeda da gratidão.
Ora,
Senhor Redator, nunca imaginei descobrir que os padres fossem homens tão comuns
e tão parecidos com os pecadores. Há quem veja nesta descoberta um pobre homem
de pouca fé e de olhos caídos nas águas da blasfêmia. E, no entanto, aqui está
um velho devoto de Nossa Senhora da Conceição que justamente por tê-la assim,
como uma grande mãe, deixou de ser um pastor de almas com medo do pecado. Numa
pequena igreja de subúrbio, anônimo e feliz, como se fosse um santo.
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