Por
Leonardo
Sakamoto
Blog do Sakamoto
Atendendo
a uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, a 4ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região condenou a Monsanto a pagar R$ 500 mil por danos
morais aos consumidores por veicular, em 2004, propaganda em que relacionava o
uso de soja transgênica e de herbicida à base de glifosato como benéficos ao
meio ambiente. A informação é do Última Instância. Também foi obrigada a
divulgar outro anúncio esclarecendo os danos dos agrotóxicos à saúde. Cabe
recurso.
Diálogo
presente no comercial:
-
Pai, o que é o orgulho?
-
O orgulho: orgulho é o que eu sinto quando olho essa lavoura. Quando eu vejo a
importância dessa soja transgênica para a agricultura e a economia do Brasil. O
orgulho é saber que a gente está protegendo o meio ambiente, usando o plantio
direto com menos herbicida. O orgulho é poder ajudar o país a produzir mais
alimentos e de qualidade. Entendeu o que é orgulho, filho?
-
Entendi, é o que sinto de você, pai.
Nhom!
Uns acham fofo. Eu fico com um pouco de vergonha alheia…
Também
de acordo com o Última Instância, o relator do caso, desembargador Jorge
Maurique, afirmou que “a propaganda deveria, no mínimo, advertir que os
benefícios nela apregoados não são unânimes no meio científico e advertir
expressamente sobre os malefícios da utilização de agrotóxicos de qualquer
espécie”. Na época, o uso de sementes geneticamente modificadas nem havia sido
ainda aprovada quando o vídeo foi ao ar. Segundo o MPF, a peça publicitária
serviu para preparar terreno para tanto. “A ré realizou propaganda abusiva e
enganosa, pois enalteceu produto cuja venda era proibida no Brasil e não
esclareceu que seus pretensos benefícios são muito contestados no meio científico,
inclusive com estudos sérios em sentido contrário ao apregoado pela Monsanto”,
diz Maurique.
O
Brasil continua sendo rápido para aprovar produtos químicos que trazem lucro a
poucos e lento para tirá-los de circulação ou punir quem abusou – quando fica
provado que causam danos a muitos. Muitos agrotóxicos proibidos nos Estados
Unidos, na União Européia e em alguns de nossos vizinhos latinos correm soltos
– literalmente – contaminando água, terra e ar por aqui. E, por conseguinte,
milhares de pessoas diretamente e milhões indiretamente. Mais de 1,5 milhão
(das 5,2 milhões de propriedades rurais do país) utiliza agrotóxicos, fazendo
do Brasil o seu maior consumidor mundial.
O
último Censo Agropecuário revelou que apenas 21% das propriedades declaravam
receber instrução regular sobre o uso dos produtos químicos. O Rio Grande do
Sul, estado em que correu o processo contra a Monsanto, é o que mais utiliza
agrotóxicos em todo o país: ao todo, de acordo com o Censo, eram mais de 273
mil propriedades adeptas a esse expediente. Dados analisados pela Repórter
Brasil mostram que, com o argumento em prol do aumento da produção, 46% das
propriedades rurais que cultivavam soja recorreram a sementes geneticamente
modificadas. A imensa maioria das lavouras desse grão fazia uso de agrotóxicos
(95%) e adubação química (90%).
Quem
já assistiu ao filme “Obrigado por fumar” (Thank You for Smoking, 2006), que
satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam nos Estados
Unidos, sabe o que é o discurso da defesa do indefensável.
É
engraçado ver as falas cínicas do protagonista do filme e imaginar quantos
cidadãos norte-americanos caem nesse conversê na vida real. Mas a história fica
trágica quando verificamos que os mesmos discursos são descarregados sobre nós
diariamente para justificar qualquer coisa. Entre elas, a expansão agropecuária
irracional no Brasil. Perda de empregos, falta de comida, interesses
estrangeiros, ecatombe maia (dezembro de 2012 já tá aí, né?), tudo é usado como
desculpa para continuar passando por cima, com regras frágeis. Os filmes
promocionais de empresas que produzem agrotóxicos entram nessa categoria. É de
chorar de emoção.
Em
março do ano passado, a Folha de S.Paulo trouxe uma boa reportagem apontando
que foi encontrado agrotóxico em leite materno no Mato Grosso. Segue um trecho:
“O
leite materno de mulheres de Lucas do Rio Verde, cidade de 45 mil habitantes na
região central de Mato Grosso, está contaminado por agrotóxicos, revela uma
pesquisa da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Foram coletadas
amostras de leite de 62 mulheres, 3 delas da zona rural, entre fevereiro e
junho de 2010. O município é um dos principais produtores de grãos do MT. A
presença de agrotóxicos foi detectada em todas. Em algumas delas havia até seis
tipos diferentes do produto. Essas substâncias podem pôr em risco a saúde das
crianças, diz o toxicologista Félix Reyes, da Unicamp. “Bebês em período de
lactação são mais suscetíveis, pois sua defesa não está completamente
desenvolvida.” Ele ressalta, porém, que os efeitos dependem dos níveis
ingeridos. A ingestão diária de leite não foi avaliada, então não é possível
saber se a quantidade encontrada está acima do permitido por lei. “A avaliação
deve ser feita caso a caso, mas crianças não podem ser expostas a substâncias
estranhas ao organismo”, diz Reyes.”
E
o outro lado, ouvido pela reportagem:
“A
Associação Nacional de Defesa Vegetal, representante dos produtores de
agrotóxicos, diz desconhecer detalhes da pesquisa, mas ressalta que a avaliação
de estudos toxicológicos é complexa. Segundo a entidade, faltam estudos que
comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente. Não
há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, os defensivos
agrícolas causem efeito à saúde.”
Colocados
contra a parede, setores envolvidos com materiais que potencialmente causam
danos à saúde sempre escapam usando em profusão expressões como: “Não há
evidências” e “Faltam estudos”.
Quando
a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos
produtores alega que vetos causarão aumento de custos. Entendo o lado deles,
mas aceitar algo que já mostrou que não é tão seguro assim é uma bomba-relógio
prestes a explodir em algum momento. Isso sem considerar que, no Brasil, o
lobby dos agrotóxicos é pesado. Daria uma filme ou novela tão engraçados e
trágicos quanto o da indústria do tabaco. O problema seria encontrar
financiador.
Particularmente,
sou a favor da liberdade de expressão total e sem restrições nas propagandas e
anúncios. Que se diga tudo sobre a mercadoria – a parte boa e aquilo que se
esconde para que ele seja vendido. Indústrias se defendem dizendo que não vão
revelar informações que as coloquem em maus lençóis. Tudo bem! Abram espaço na
TV para podermos trazer o outro lado. Mas se os anunciantes trouxessem a maior
quantidade possível de informações sobre o que oferecem a nós, teríamos um país
mais consciente. E uma revolução em alguns setores – da produção de salgadinhos
até os agrotóxicos.
Deixo,
por fim, um filmete produzido pelo Instituto do Empreendimento Competitivo, um
think tank cujo lema é “mercados livres e governos com limites”, que se chama
“O Dióxido de Carbono é Nosso Amigo”. Através de um jogo tosco de palavras e
ideias, tenta fazer crer que como o gás carbônico é essencial à vida na Terra,
quanto mais dele, melhor. Ou seja, o aumento no efeito estufa – provocado pelo
acúmulo de CO2 na atmosfera, oriundo principalmente da queima de combustíveis
fósseis, e que tem sido responsável pelo aumento na temperatura global – seria
uma grande falácia. O Instituto funciona como o centro de estudos sobre o
tabaco, entidade fictícia presente no filme “Obrigado por fumar”, que tem por
objetivo desenvolver pesquisas idôneas sobre o cigarro – que, é claro, sempre
acabam beneficiando o lado das indústrias do fumo.
O
vídeo está em inglês e sem legendas (aliás, se alguém tiver isso em português,
por favor, me indique), pelo que peço desculpas. Mas vale a pena. É rir para
não chorar que algo assim passe na TV
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