Discursos
contundentes contra a ganância predatória do agronegócio e a postura
anti-indígena adotada pelo governo Dilma Rousseff marcaram as falas das
lideranças durante reunião com o ministro de Justiça, José Eduardo Cardozo, e o
advogado geral da União, Luís Inácio Adams, na manhã da terça passada, 14, no
auditório do Ministério da Justiça.
O
movimento indígena, aliado ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a
Associação Nacional dos Funcionários da FUNAI (ANSEF), exigiu a imediata
revogação da Portaria 303/2012, publicada pela Advocacia Geral da União (AGU)
em 16 de julho. A medida, editada sem a devida consulta aos indígenas,
normatiza a atuação do corpo jurídico do Poder Executivo e estende a todas as
terras indígenas as condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal na
Ação Judicial contra Raposa Serra do Sol. No entanto, foram apresentados
embargos de declaração em relação a estas condicionantes, instrumentos jurídicos
que permitem a revisão de um decisão judicial quando for verificada a
existência de omissão, contradição ou obscuridade em um processo. Isto significa que a decisão
do STF ainda pode ser anulada ou
modificada.
A
Portaria 303 da AGU permite a proibição de novas demarcações e revisão daquelas
que não se adequem às condicionantes do STF. Também autoriza a implantação em
territórios indígenas de unidades, postos e demais intervenções militares,
malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico,
sem consulta aos povos e comunidades. Afeta, ainda, a autonomia em relação ao
usufruto das terras.
O
Ministro José Eduardo Cardozo iniciou a reunião explicando que no entendimento
da AGU os embargos de declaração não serão aceitos e a decisão do STF em
relação a Raposa Serra do Sol não deve ser modificada. Como a AGU garante que
existem decisões judiciais anteriores que permitem se estender as
condicionantes às demais terras indígenas, Cardozo afirmou que a publicação da
Portaria foi uma decisão técnica que tem como objetivo evitar que brechas
jurídicas permitam que as demarcações sejam questionadas na Justiça e fiquem
paradas por anos. “Para nós o ideal é já fazer as demarcações para evitar
nulidade no futuro. Há um compromisso do governo de cumprir a Constituição, mas
precisamos fazer isto da melhor forma possível”, afirmou. Ele disse, ainda, que
a Portaria foi suspensa temporariamente para que a FUNAI consulte as
comunidades, admitindo que mais uma vez o governo desrespeitou a convenção 169
da OIT, que prevê a consulta prévia e informada sobre questões que afetem
diretamente o modo de vida das populações.
O
Advogado Geral da União, Luís Inácio Adams, defendeu todos os aspectos legais da Portaria
assinalando o caráter técnico de sua decisão. Para ele é fundamental a
definição destes parâmetros normativos e de uma regulação legal no que diz
respeito a exploração econômica dos recursos naturais das terras Indígenas.
As
explicações iniciais não convenceram os presentes, que em todas as
participações questionaram a legalidade da Portaria e os interesses por trás da
iniciativa da AGU. Ela atende às
principais demandas dos interessados na exploração dos recursos naturais
protegidos pelos territórios indígenas, que tem usado o poder econômico para
pressionar o governo no Congresso Nacional pela flexibilização dos direitos dos
índios, garantidos desde a Constituição de 1988.
Repúdio
à Portaria 303
O
primeiro a se manifestar foi o cacique Raoni, do Povo Kayapó, liderança
tradicional de grande respeito entre todos os povos, que fez um apelo para que
o governo acabe com a portaria. Raoni disse que todos os povos ficaram tristes
com mais esta decisão e afirmou que é preciso escutar mais a Funai e os índios
Lísio
Lili, liderança do Povo Terena no Mato Grosso do Sul, disse que os índios sempre estiveram abertos ao diálogo e dispostos
a acreditar nas palavras das
autoridades, mas que as recentes ações do governo contradizem isto e
representam uma declaração de guerra ao Povos Indígenas de todo país. Ele
testemunhou os esforços do latifundiários sul-matogrossenses em favor da
Portaria. Desde o final do ano passado circulam matérias na imprensa do estado
sobre encontros do Ministro da Justiça com a Famasul, associação mantida pelos
fazendeiros, onde se vinha discutindo uma forma de impedir o avanço das
demarcações. “Se esta Portaria não for revogada, o Estado Brasileiro estará
declarando guerra aos Povos Indígenas”, concluiu.
Sônia
Bone, indígena do Povo Gujajara que integra a direção nacional da Articulação
dos Povos indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação das Organizações indígenas
da Amazônia Brasileira (COIAB), também fez um discurso muito forte contra
medida. Ela iniciou sua fala lembrando
que desde as primeiras constituições e mesmo nos governos militares, os índios
conseguiram avançar na luta por seus direitos
e que justamente em um governo que se diz “de esquerda e popular”, vemos
atitudes ditatoriais e um claro desrespeito a Carta Magna. “A portaria 303 tem
causado insegurança e instabilidade em nossas terras. Todos os indígenas do
país estão insatisfeitos.” Sônia ressaltou que a portaria representa um mal não
apenas para os índios mas para o país, pois a proteção do meio ambiente
interessa a todos. Ao final, em um ato que disse representar toda indignação e
revolta dos indígenas brasileiros, ela rasgou uma cópia da Portaria 303.
Marcos
Tupã, da região sudeste, reforçou o discurso pela revogação e disse que
enquanto isto não ocorrer, as lideranças não irão mais participar das
próximas reuniões da Comissão Nacional
de Política Indigenista (CNPI) ou qualquer outro espaço de diálogo com o
governo.
Ceiça
Pitaguary, liderança que representa o nordeste (APOINME) na direção nacional da
APIB, falou logo em seguida e deu um exemplo concreto dos prejuízos já causados
em sua região. “Alguns fazendeiros que estavam em terras indígenas estão se
vangloriando de que a decisão da AGU dá o direito de voltarem a ocupar nossos
territórios”. Ceiça informou que no sul da Bahia os latifundiários estão
aterrorizando as aldeias e dizendo que poderão voltar sem consultar ninguém,
nem a Funai. “Não estamos mais dormindo preocupados com a vida de nossos filhos
que irão permanecer naquelas terras. Nós iremos passar, mas eles permanecerão.
E haverá terra? Vai não. E eles serão cada vez mais encurralados e
obrigados a sair de suas casas, enquanto os fazendeiros voltarão para destruir
tudo. Não queremos emenda, não queremos ajustar. Queremos a revogação total.”
Edson
Bakairi, de Mato Grosso, fechou as falas dos indígenas “Se a Funai sabia da
portaria e não nos avisou também traiu o movimento indígena. E se o governo não
ouvir as lideranças, nós vamos para guerra e morreremos pelos nosso direitos.
Mato Grosso tem 32 povos e estamos aqui pra dizer que o capitalismo selvagem
não pode nos destruir. Nós apoiamos a
revogação da portaria!”
O
deputado federal Padre Ton (PT) falou em nome da Frente Parlamentar em Defesa
dos Povos Indígenas e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Juntamente com o Secretário Executivo do Cimi, Cleber Buzzato, e dos
representantes da ANSEF, ele reforçou o pedido pela revogação integral e
definitiva da Portaria da AGU.
Após
todas as exposições, Luís Inácio Adams voltou a dizer que sua decisão não havia sido política e isentou o
Ministério da Justiça e os demais setores do governo de qualquer
responsabilidade pela publicação da Portaria 303. Disse que nenhum deles sabia
previamente. E se dirigindo a Raoni afirmou ter sido tocado pelas palavras do
cacique e que iria refletir sobre todas as considerações apresentadas. Não deu,
no entanto, nenhum indício que de que acataria as solicitações. Adiantou apenas
que tomará uma decisão sobre o assunto nas próximas semanas.
A
última a falar foi a presidente da FUNAI, Marta Maria do Amaral Azevedo, que
reafirmou o conteúdo de nota publicada pelo órgão, em que se disse surpresa com
a ação da AGU. Falou também que a instituição buscou a suspensão temporária
da portaria para poder ouvir as
comunidades.
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