segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Joca: Meu lugar é na plateia

Joca Souza Leão

Na Copa de 58, Mané Garrincha comprou o rádio mais caro que tinha numa loja de Estocolmo, 60 dólares. “E você entende sueco?” – perguntou o massagista Mário Américo. E ligou o rádio, deslizando o dial por várias emissoras. “Tá vendo? Só fala sueco.” E comprou o rádio de Garrincha pela metade do preço.
Garrincha não sabia lhufas de ondas sonoras. Nem o mais elementar bê-á-bá. Que a emissora propaga ondas eletromagnéticas no espaço, o rádio capta essas ondas, amplifica e o alto-falante as converte em ondas sonoras. Entendeu? Não? Eu também não. E depois dizem que Garrincha é que era burro.
Zé Maria Pereira Gomes me mandou uma crônica de Ruy Castro, na qual, para falar da descoberta do Bóson de Higgs (ou “a partícula de Deus”), ele cita o escritor Conan Doyle, quando Watson descobre que Sherlock Holmes jamais ouvira falar de Copérnico. E, pior, não sabia que a Terra girava em torno do Sol. “Que um homem civilizado desconheça este fato em pleno século 19 me parece extraordinário”, exclamou Watson perplexo. “Se girássemos em torno da lua, não faria diferença para mim e para o meu trabalho”, retrucou Sherlock (que nos livros de Doyle, pelo menos, jamais pronunciou juntas as palavras “elementar, meu caro Watson!”).
Ruy diz na crônica que, quando ouviu falar em aplicativo pela primeira vez, pensou que fosse um novo tipo de esparadrapo. “Apesar disso, estou cultivando um certo carinho pelo bóson. Aliás, já fui grande fã de seus primos mais velhos, os prótons, elétrons e nêutrons – e também nunca soube do que se tratava. Claro que, com tantos e súbitos admiradores, o bóson pode muito bem passar sem mim. E eu sem ele.”
Dirijo carro desde os 12. E, modéstia à parte, bem. Mas nunca abri capuz de carro nenhum. A não ser pro frentista checar nível de óleo, água, essas coisas. Gasolina e álcool, como se sabe, são altamente inflamáveis. E motor, dizem, é a explosão. Vôte! E se explodisse justo na hora que eu fosse abrir o capuz? Tá doido! E o avião, hein? O poetinha Vinícius de Moraes sabia das coisas: “é mais pesado que o ar, tem motor a explosão e foi inventado por um brasileiro. Não pode funcionar.”
Um médico amigo meu diz que jamais faria ginecologia. “Com tanta intimidade e conhecimento de causa, a coisa perderia a graça, o encanto, a mágica.” Será? Sei não. E os buracos negros, meu? Como não tenho a menor intimidade com o tema, sempre os imaginei medonhos e tenebrosos. Segundo a Teoria Geral da Relatividade, buracos negros são regiões do espaço das quais nada, nem mesmo objetos que se movam na velocidade da luz, pode escapar. Resultam da deformação do espaço-tempo causada por uma matéria maciça e altamente compacta. Sacou? Eu também não. Mas que mete medo, mete. “Nada pode escapar.”
O italiano Antonio Meucci inventou o telefone (e vendeu o protótipo do aparelho a Graham Bell) há mais de cem anos. Todo mundo sabe como funciona. Ondas sonoras geram uma corrente elétrica que varia de intensidade e frequência, gerando vibrações que são transferidas magneticamente a um aparelho distante que, ao vibrar, reproduz o som original. Não tem mistério. Não? Apois tá certo.
Tirar coelho de cartola, fazer a partner flutuar sobre o palco e adivinhar carta de baralho não passam de truques, ilusionismo, prestidigitação, a gente tá careca de saber. Agora, telégrafo sem fio, telefone, rádio, televisão, internet... aí, meu, não tem cascata. E eu só quero saber como é que se liga e desliga. Sou adepto fervoroso da teoria de Sherlock Holmes: o cérebro é como um sótão que, se atulhado de objetos – ou informações – impede que se encontre o que se precisa. Elementar, meu caro leitor.
O mundo é mágico, como dizia Guimarães Rosa. E meu lugar é na plateia. Modesta. E humildemente.

 Joca Souza Leão é cronista.

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