Por:
Vicente Serejo
Dom
Eugênio de Araújo Sales liderou um trabalho pioneiro de ações na área social e
apostólica no nosso Estado que ficou conhecido internacionalmente como Movimento
de Natal. Como homenagem póstuma a esse homem que nos integrou na sua visão
comunitária e humanista, apresento aqui, uma síntese das minhas lembranças como
participante deste Movimento.
Tudo
começou em uma cidade transformada abruptamente com a instalação de bases
militares em razão da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A
população de Natal cresceu muito neste período, mudando também seus padrões de
comportamento. Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas conduzia a Igreja,
restrita aos cânones tradicionais: a formação do clero, a catequese, a
administração dos sacramentos, o funcionamento das Obras das Vocações
Sacerdotais, do Apostolado da Oração e da Congregação Mariana. Esta última, já
editava o jornal a Ordem, realizava um trabalho cooperativista e mantinha a
Escola Técnica de Comércio de Natal. Foi este Bispo que, no final dos anos 30,
trouxe a Ação Católica, nomeando Cônego Luiz Monte como o seu primeiro
Assistente.
O
trabalho inicial foi desenvolvido através das Senhoras de Ação Católica e dos
Homens de Ação Católica. O cônego Monte, dedicado sacerdote, culto, mas de
saúde frágil, faleceu prematuramente, em 1944, aos 39 anos, deixando uma grande
lacuna nos quadros da Igreja. Para substituí-lo foi designado seu irmão, Padre
Nivaldo Monte. Neste mesmo período, foi transferido da Paróquia de Nova Cruz
para Natal, um sacerdote recém-ordenado, para ser capelão da Igreja do Rosário
e Diretor Espiritual do Seminário de São Pedro – o Padre Eugênio de Araújo
Sales.
Segundo
Alceu Ferrari, no livro Igreja e desenvolvimento, o padre Eugênio ao chegar a
Natal, “longe de trancar-se entre as paredes do Seminário, deu início à
formação da Juventude Masculina Católica (JMC) instalada solenemente em outubro
de 1945″. Aqui começa a nossa história.
A
partir da I Semana Diocesana de Ação Católica, em outubro de 1945, a Igreja de
Natal, sofreu transformações através da ação pastoral dos padres Eugênio Sales
e Nivaldo Monte. O Padre Eugênio Sales constituiu o primeiro grupo da Juventude
Masculina Católica, sendo o seu primeiro Assistente Eclesiástico. O Padre
Nivaldo, continuou o trabalho com a Juventude Feminina Católica e as Senhoras
de Ação Católica, iniciado pelo seu irmão, o Cônego Monte. Com a Juventude
Masculina Católica, o padre Eugênio desenvolveu um trabalho com os mais
excluídos e segregados da sociedade – os apenados, através da Assistência
Social Penitenciária. Concomitantemente, outras ações foram desenvolvidas, como
a criação da Escola e Ambulatório Padre João Maria, no Morro Branco, a criação
da Escola e Ambulatório Matias Moreira, na então Vila dos Pobres, a instalação
do Patronato de Ponta Negra, para menores com problemas de comportamento e
ainda o Instituto Bom Pastor para menores de sexo feminino em situação de risco
social e do Lar das Mães, destinado ao atendimento de mães solteiras.
A
todo esse trabalho urbano juntou-se a constatação do estado de pobreza e a
falta de assistência ao nosso homem do campo, fazendo com que fosse criado em
22 de dezembro de 1949, o Serviço de Assistência Rural – SAR instalado em
outubro de 1950. Em 1951, realizou-se a I Semana Rural do Estado do Rio Grande
do Norte. O objetivo inicial da ação era pastoral, mas o trabalho foi crescendo
e tomando outras dimensões. As ações foram desenvolvidas através da Missão
Rural, do Cooperativismo, das Semanas Rurais e dos Treinamentos de Lideranças.
Outros vigários participaram ativamente deste período, como o padre Manoel
Tavares, em Angicos, o padre Expedito Sobral, em São Paulo do Potengi, o padre
Antônio Barros, em São José de Mipibu, o padre Alair Vilar, em Santa Cruz e o
padre Pedro Moura, em Nova Cruz.
A
preocupação com o desenvolvimento de meio rural levou à abertura de novas áreas
de trabalho, como os projetos de Colonização Agrícola em Punau e em
Maxaranguape; do apoio à extensão rural, através da ANCAR – Associação
Nordestina de Crédito e Assistência Rural (hoje EMATER); da criação e
funcionamento das Escolas das Comunidades, integrantes da Campanha Nacional de
Educandários Gratuitos. Alguns dos trabalhos eram desenvolvidos por outras
organizações, mas recebiam o apoio da Igreja.
A
liderança e as diretrizes eram dadas por Dom Eugênio Sales que, desde 1954, era
Bispo Auxiliar de Dom Marcolino Dantas. Uma metodologia de planejamento
norteava todas as frentes. A visão comprometida, crítica e unificada dos
integrantes do Movimento foi intermediada por uma Igreja que surgia das
orientações do Concílio Vaticano Segundo.
Duas
inovações na área da prática religiosa são marcantes e reconhecidas pela Igreja
– a Campanha da Fraternidade, hoje adotada em todo o Brasil e em outros países
e a utilização de religiosas na administração de Paróquias e na distribuição da
Eucaristia. A definição deste período foi muito bem sintetizada pelo Monsenhor
Raimundo Brasil, no livro Homenagem ao Pastor: 50 anos a serviço da Igreja,
quando disse: “A Igreja de Natal viveu um período de grande expansão nunca
experimentado, com diversos segmentos sociais engajados numa ação promocional,
vivenciando ao mesmo tempo, cada qual uma espiritualidade específica, sempre
adequada ao próprio meio. Era a fase áurea dos movimentos leigos da ação
católica”.
As
linhas da Ação Católica foram ampliadas com a divisão em segmentos específicos,
criando na área da juventude o que se chamou de A,E,I,O,U (JAC, JEC, JIC, JOC e
JUC), congregando as juventudes Agrária, Estudantil, Independente, Operária e Universitária, ampliando o número de militantes e de
voluntários para o Movimento.
Duas
frentes de ação foram destacadas: a primeira foi a criação em 1958, da Emissora
de Educação Rural, que promovia o trabalho pioneiro no Brasil, a alfabetização
pelo rádio e que contou com uma expressiva colaboração dos integrantes da Ação
Católica. Isto levou ao processo de educação de base, que visava não somente a
alfabetização, mas também a conscientização das populações rurais. Esta
experiência inspirou a criação do Movimento de Educação Base (MEB), que
funcionou a nível nacional. A segunda
frente foi a da Sindicalização Rural, iniciada em 1960, que estimulou o
movimento em outros Estados, sendo que três anos depois, existiam centenas de
sindicatos criados e reconhecidos pelo governo, em todo o território nacional.
Como apoio e divulgação das ações sociais e da doutrina da Igreja, foi
reativado o jornal “A Ordem”.
O
trabalho desenvolvido nesta aérea do Nordeste brasileiro chamou a atenção de
estudiosos do Brasil e de outros países como também de autoridades da Igreja da
Europa e dos Estados Unidos. Voluntários do Papa, católicos de várias
nacionalidades e de diversas especialidades vieram trabalhar no Movimento.
Entidades internacionais como a Adveniat, Misereor e Caritas mantiveram apoio
efetivo ao trabalho.
Os
anos sessenta foram marcados pela competição ideológica entre os Estados Unidos
e União Soviética. O Brasil viveu um período de grandes conflitos e choques
ideológicos. No Movimento de Natal estes conflitos também apareceram nos grupos
universitários e nos sindicatos rurais. Os militares brasileiros deram o Golpe
de 31 de março de 1964, derrubaram o governo de João Goulart e implantaram no
país uma ditadura de direita. As entidades estudantis, os sindicatos e a
imprensa passaram a sofrer forte repressão. Militantes da Ação Católica, e dos
sindicatos passaram a sofrer pressões tendo, muitos deles, respondido
processos. Vários universitários e sindicalistas foram presos. Com estas ações,
a militância ficou dispersa e oprimida, com as entidades sem funcionar.
Dom
Eugênio foi transferido em agosto de 1964 para a Arquidiocese de Salvador, na
Bahia. Em 1969 recebeu o titulo cardinalício permanecendo como Cardeal em
Salvador até 1971, quando foi nomeado Arcebispo do Rio de Janeiro. No ano de
2001, com a idade de oitenta anos renunciou suas atividades ficando como
Arcebispo Emérito do Rio e como Cardeal Protopresbítero continuou participando
de Comissões Especiais no Vaticano.
Receba,
Dom Eugênio. de todos os que participaram do Movimento de Natal, a admiração, o
reconhecimento e a gratidão.
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