segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Serejo: Dom Eugênio Sales e o Movimento de Natal


Por: Vicente Serejo


Dom Eugênio de Araújo Sales liderou um trabalho pioneiro de ações na área social e apostólica no nosso Estado que ficou conhecido internacionalmente como Movimento de Natal. Como homenagem póstuma a esse homem que nos integrou na sua visão comunitária e humanista, apresento aqui, uma síntese das minhas lembranças como participante deste Movimento.

Tudo começou em uma cidade transformada abruptamente com a instalação de bases militares em razão da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A população de Natal cresceu muito neste período, mudando também seus padrões de comportamento. Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas conduzia a Igreja, restrita aos cânones tradicionais: a formação do clero, a catequese, a administração dos sacramentos, o funcionamento das Obras das Vocações Sacerdotais, do Apostolado da Oração e da Congregação Mariana. Esta última, já editava o jornal a Ordem, realizava um trabalho cooperativista e mantinha a Escola Técnica de Comércio de Natal. Foi este Bispo que, no final dos anos 30, trouxe a Ação Católica, nomeando Cônego Luiz Monte como o seu primeiro Assistente.

O trabalho inicial foi desenvolvido através das Senhoras de Ação Católica e dos Homens de Ação Católica. O cônego Monte, dedicado sacerdote, culto, mas de saúde frágil, faleceu prematuramente, em 1944, aos 39 anos, deixando uma grande lacuna nos quadros da Igreja. Para substituí-lo foi designado seu irmão, Padre Nivaldo Monte. Neste mesmo período, foi transferido da Paróquia de Nova Cruz para Natal, um sacerdote recém-ordenado, para ser capelão da Igreja do Rosário e Diretor Espiritual do Seminário de São Pedro – o Padre Eugênio de Araújo Sales.

Segundo Alceu Ferrari, no livro Igreja e desenvolvimento, o padre Eugênio ao chegar a Natal, “longe de trancar-se entre as paredes do Seminário, deu início à formação da Juventude Masculina Católica (JMC) instalada solenemente em outubro de 1945″. Aqui começa a nossa história.

A partir da I Semana Diocesana de Ação Católica, em outubro de 1945, a Igreja de Natal, sofreu transformações através da ação pastoral dos padres Eugênio Sales e Nivaldo Monte. O Padre Eugênio Sales constituiu o primeiro grupo da Juventude Masculina Católica, sendo o seu primeiro Assistente Eclesiástico. O Padre Nivaldo, continuou o trabalho com a Juventude Feminina Católica e as Senhoras de Ação Católica, iniciado pelo seu irmão, o Cônego Monte. Com a Juventude Masculina Católica, o padre Eugênio desenvolveu um trabalho com os mais excluídos e segregados da sociedade – os apenados, através da Assistência Social Penitenciária. Concomitantemente, outras ações foram desenvolvidas, como a criação da Escola e Ambulatório Padre João Maria, no Morro Branco, a criação da Escola e Ambulatório Matias Moreira, na então Vila dos Pobres, a instalação do Patronato de Ponta Negra, para menores com problemas de comportamento e ainda o Instituto Bom Pastor para menores de sexo feminino em situação de risco social e do Lar das Mães, destinado ao atendimento de mães solteiras.

A todo esse trabalho urbano juntou-se a constatação do estado de pobreza e a falta de assistência ao nosso homem do campo, fazendo com que fosse criado em 22 de dezembro de 1949, o Serviço de Assistência Rural – SAR instalado em outubro de 1950. Em 1951, realizou-se a I Semana Rural do Estado do Rio Grande do Norte. O objetivo inicial da ação era pastoral, mas o trabalho foi crescendo e tomando outras dimensões. As ações foram desenvolvidas através da Missão Rural, do Cooperativismo, das Semanas Rurais e dos Treinamentos de Lideranças. Outros vigários participaram ativamente deste período, como o padre Manoel Tavares, em Angicos, o padre Expedito Sobral, em São Paulo do Potengi, o padre Antônio Barros, em São José de Mipibu, o padre Alair Vilar, em Santa Cruz e o padre Pedro Moura, em Nova Cruz.

A preocupação com o desenvolvimento de meio rural levou à abertura de novas áreas de trabalho, como os projetos de Colonização Agrícola em Punau e em Maxaranguape; do apoio à extensão rural, através da ANCAR – Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (hoje EMATER); da criação e funcionamento das Escolas das Comunidades, integrantes da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos. Alguns dos trabalhos eram desenvolvidos por outras organizações, mas recebiam o apoio da Igreja.

A liderança e as diretrizes eram dadas por Dom Eugênio Sales que, desde 1954, era Bispo Auxiliar de Dom Marcolino Dantas. Uma metodologia de planejamento norteava todas as frentes. A visão comprometida, crítica e unificada dos integrantes do Movimento foi intermediada por uma Igreja que surgia das orientações do Concílio Vaticano Segundo.

Duas inovações na área da prática religiosa são marcantes e reconhecidas pela Igreja – a Campanha da Fraternidade, hoje adotada em todo o Brasil e em outros países e a utilização de religiosas na administração de Paróquias e na distribuição da Eucaristia. A definição deste período foi muito bem sintetizada pelo Monsenhor Raimundo Brasil, no livro Homenagem ao Pastor: 50 anos a serviço da Igreja, quando disse: “A Igreja de Natal viveu um período de grande expansão nunca experimentado, com diversos segmentos sociais engajados numa ação promocional, vivenciando ao mesmo tempo, cada qual uma espiritualidade específica, sempre adequada ao próprio meio. Era a fase áurea dos movimentos leigos da ação católica”.

As linhas da Ação Católica foram ampliadas com a divisão em segmentos específicos, criando na área da juventude o que se chamou de A,E,I,O,U (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC), congregando as juventudes Agrária, Estudantil, Independente, Operária e Universitária,  ampliando o número de militantes e de voluntários para o Movimento.

Duas frentes de ação foram destacadas: a primeira foi a criação em 1958, da Emissora de Educação Rural, que promovia o trabalho pioneiro no Brasil, a alfabetização pelo rádio e que contou com uma expressiva colaboração dos integrantes da Ação Católica. Isto levou ao processo de educação de base, que visava não somente a alfabetização, mas também a conscientização das populações rurais. Esta experiência inspirou a criação do Movimento de Educação Base (MEB), que funcionou a nível nacional.  A segunda frente foi a da Sindicalização Rural, iniciada em 1960, que estimulou o movimento em outros Estados, sendo que três anos depois, existiam centenas de sindicatos criados e reconhecidos pelo governo, em todo o território nacional. Como apoio e divulgação das ações sociais e da doutrina da Igreja, foi reativado o jornal “A Ordem”.

O trabalho desenvolvido nesta aérea do Nordeste brasileiro chamou a atenção de estudiosos do Brasil e de outros países como também de autoridades da Igreja da Europa e dos Estados Unidos. Voluntários do Papa, católicos de várias nacionalidades e de diversas especialidades vieram trabalhar no Movimento. Entidades internacionais como a Adveniat, Misereor e Caritas mantiveram apoio efetivo ao trabalho.

Os anos sessenta foram marcados pela competição ideológica entre os Estados Unidos e União Soviética. O Brasil viveu um período de grandes conflitos e choques ideológicos. No Movimento de Natal estes conflitos também apareceram nos grupos universitários e nos sindicatos rurais. Os militares brasileiros deram o Golpe de 31 de março de 1964, derrubaram o governo de João Goulart e implantaram no país uma ditadura de direita. As entidades estudantis, os sindicatos e a imprensa passaram a sofrer forte repressão. Militantes da Ação Católica, e dos sindicatos passaram a sofrer pressões tendo, muitos deles, respondido processos. Vários universitários e sindicalistas foram presos. Com estas ações, a militância ficou dispersa e oprimida, com as entidades sem funcionar.

Dom Eugênio foi transferido em agosto de 1964 para a Arquidiocese de Salvador, na Bahia. Em 1969 recebeu o titulo cardinalício permanecendo como Cardeal em Salvador até 1971, quando foi nomeado Arcebispo do Rio de Janeiro. No ano de 2001, com a idade de oitenta anos renunciou suas atividades ficando como Arcebispo Emérito do Rio e como Cardeal Protopresbítero continuou participando de Comissões Especiais no Vaticano.

Receba, Dom Eugênio. de todos os que participaram do Movimento de Natal, a admiração, o reconhecimento e a gratidão.

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