sábado, 19 de novembro de 2011

Os meninos e meninas do Clowns

Por Carlos Fialho

Uma coisa que aprendi nos últimos 10 anos de publicidades, jornalismos e literaturas é que a soberba e o mérito dificilmente andam juntos. Já vi muitos homens e mulheres extremamente generosos consigo mesmos, profusos em autoelogios, apaixonados pela imagem que projetavam de si para si e os demais, autores de sinceras e exageradas exaltações aos próprios feitos, mas que no fim das contas não eram lá muito dignos de nota. São os famosos embustes, pastéis de vento, muita espuma e pouco chope. O curioso é que essas mesmas pessoas são extremamente críticas com os outros. Para eles, o inferno sempre são os outros.

Vocês conhecem o tipo. Certamente, apenas durante a leitura do parágrafo anterior, já imaginaram vários “amigos” donos de perfis semelhantes, capazes de sair por aí, de megafone em punho, apregoando o quanto são bons. Pessoas que destroem um pouco a nossa fé na humanidade a cada novo encontro. Levam-nos a refletir o quão perdida está a humanidade e se haveria alguma possibilidade de redenção. E eis que surge a surpresa: há sim.

Tais almas pecadoras serão salvas pelas personalidades opostas a elas, gente de comportamento moderado que, mesmo dotados de enorme talento, donos de uma bela trajetória ou realizadores de um excelente trabalho, preferem manter-se revestidos do véu da humildade, sabedores que são de que um elogio, para vogar mesmo, só se tiver origem alheia. Logo percebi que os mais engajados no estilo “tô com tudo e não tô prosa” não tinham muito que oferecer, enquanto os reais merecedores de loas não sofriam desta aguda carência de atenção. Alguns dos mais admiráveis e brilhantes escritores, artistas e profissionais das mais diversas áreas com quem já estive se revelaram pessoas da mais surpreendente simplicidade. Um paradoxo, certamente, como tantos que norteiam as relações humanas. Tais opostos apenas confirmam a regra geral dos homens ou como escreveu certa vez o cronista Antonio Prata: “o que é a humanidade senão essa eterna oposição de uns contra os outros?”

Fiz esse preâmbulo para falar de uma turma que há muito me encanta e orgulha. Um grupo que transformou a paixão pela arte e o teatro em montagens e apresentações memoráveis que ganharam destaque dentro e fora de casa, conquistando o reconhecimento de autoridades nacionais no assunto. Uma trupe arretada que conquistou a simpatia e confiança de alguns dos melhores dramaturgos nacionais, resultando em parcerias engrandecedoras, intercâmbios edificantes que ajudam a desenvolver a produção local graças ao idealismo e generosidade desses moços e moças. Um coletivo que se orgulha de ser exatamente isso: coletivo e, como tal, acaba semeando ótimas e benéficas iniciativas a muita gente, sejam estudantes de baixa renda, a cena cultural da cidade ou, claro, a todos nós que acompanhamos e vibramos com o seu trabalho.

Refiro-me aos meninos e meninas do Clowns de Shakespeare que vêm empreendendo com visão ampla e profissionalismo e têm colhido justamente os frutos do trabalho. Esta semana, alcançaram mais um feito. Sua peça “Sua Incelença Ricardo III” abriu o tradicional Festival de Teatro de Curitiba. Peça esta, que tem a direção de Gabriel Vilela, um dos teatrólogos de renome nacional que têm se envolvido com o grupo, redundando em espetáculos inebriantes, hipnóticos, autênticos delírios criativos de alguns jovens loucos.

E tudo começou na escola, exatamente como deveria ocorrer com milhares de outras iniciativas educacionais que poderiam resultar em carreiras, ao despertarem nos estudantes talentos que eles poderiam descobrir graças a atividades extraclasses. Eu, por exemplo, comecei a escrever no jornal da minha escola e vi que era o que gostava de fazer. Infelizmente, a maioria dos estudantes do ensino público do RN não tem as mesmas oportunidades dada a pouca importância que a educação recebe por aqui. Mas voltando aos Clowns, tudo começou no Colégio Objetivo. Incentivados pelo professor de Literatura Marco Aurélio, eles começaram a adaptar clássicos literários para os palcos. Isso, lá pelos anos 90. Um ano depois do início do grupo, já fora da escola, encenaram o primeiro Shakespeare: “Sonho de uma noite de verão”.

No fim dos anos 90, promoveram, junto com outros abnegados agentes culturais locais como Gustavo Wanderley e Henrique Fontes, a construção da Casa da Ribeira com o projeto “Na rua da Casa” (que inclusive se parece um pouco com o “Circuito Ribeira” que ocorre amanhã no mesmo local). Na década seguinte, nos anos 00, veio a conquista definitiva da cidade de Natal, com as peças “Muito barulho por quase nada”, “Fábulas”, “Roda Chico”, “O Casamento” e “O Capitão e a Sereia”. Realizaram também o projeto “Fábulas nas escolas”, levando teatro de qualidade para crianças de colégios estaduais. Além de levar suas peças para excursões pelas cidades interioranas do RN. Tudo isto sem falar no enorme sucesso que têm obtido em temporadas paulistas e apresentações em festivais pelo Brasil.

Nesta nova década, já começaram com tudo. Na minha opinião de espectador e fã, “Sua Incelença Ricardo III” é sua melhor montagem. Aí, voltando ao assunto que principiou este texto, você pode pensar: “Nossa, com tanto elogio e babação de ovo pra cima deles, esses artistas devem ser insuportáveis”. Ah, que ironia, jovens leitores. Não. Eles são a mais doce representação da modéstia. Os meninos e meninas do Clowns não deixaram que o reconhecimento pelo bom trabalho realizado se tornasse um monstro deformador de personalidades. Mantiveram o equilíbrio e não se deixaram embriagar pela insensatez tão comum em nossa society composta de nulidades.

Mês passado, eles nos convidaram (a mim e a Patrício Jr., outro escritor local que criou a Editora Jovens Escribas comigo, Daniel Minchoni e Thiago de Góes) para que nós dois escrevêssemos para eles duas adaptações de “Hamlet” para que eles encenem no segundo semestre deste ano. Após quase engasgar de tanta emoção e corar de embaraço, aceitamos eufóricos a missão. Vai ser muito gratificante adaptar um texto consagrado para que seja encenado por pessoas que têm sido verdadeiros ídolos para nós nos últimos, sei lá, 10 anos. Porém, não será um processo órfão de preparação. Passaremos por oficinas de criação para teatro com alguns autores experimentados. Esperamos não justificar a frase do protagonista do filme argentino “O mesmo amor, a mesma chuva” que, a certa altura da película diz: “Ah, Shakespeare! Quantos textos absurdos foram cometidos em seu nome!” Ou que sejam absurdos os textos, mas pelo menos serão interpretados por esses meninos e meninas de quem gostamos tanto. E, já que eles estão excursionando pelo Brasil, aproveito para desejar boa sorte: MERDA


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