sexta-feira, 11 de novembro de 2011

AXÉ: A Força Sagrada

"... o conteúdo mais importante do "terreiro" era o axé. É a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem axé a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital."
Juana Elbein dos Santos

"O SIGNIFICADO DO SANGUE:
No dia em que um homem engolir uma galinha inteira, viva, sem tirar as penas, o sangue, as vísceras; no dia em que um parto não sangrar e a água não verter sobre a terra, neste dia eu paro de cortar para o Orixá."

Pai Cido

SACRIFÍCIOS

Sacrifício não é sinônimo de assassinato, relacionado que está a rituais sagrados, visando, no Candomblé, ampliar, acumular e distribuir a força vital e sagrada que é o axé. Boa parte das religiões utilizava sacrifícios em seus rituais, mas na maioria das vezes com um sentido expiatório, não se aplicando essa noção ao Candomblé por um motivo aparentemente simples: no Candomblé não existe pecado, portanto não há o que expiar.
Entre os cristãos, por exemplo, a extinção do sacrifício ( em termos reais ) justifica-se pela morte de Jesus Cristo, que teria morrido para salvar a humanidade no mais importante sacrifício que o mundo
assistiu. Ocorre que Jesus morreu pelos cristãos, e não pelo Candomblé, e isso significa, na realidade, que os ritos processados em outra doutrina religiosa não fazem nenhum sentido para nós dos orixás; da mesma forma que os rituais do Candomblé fogem à compreensão da Igreja Católica. Em outras palavras, o Candomblé só se explica pelo Candomblé, não adiantando recorrer à Bíblia para explicar e muito menos condenar as práticas da religião dos Orixás.
O sangue é de importância vital para os Orixás, pois está ligado à concepção, à fertilidade, ao nascimento e a todas as etapas da vida. Sem sangue não há axé, ninguém nasce sem sangue. Quando deixar de haver sacrifícios, o Candomblé deixará de existir. Não se derramam o sangue dos animais por maldade, por crueldade, muito menos para fazer mal a alguém. O sacrifício é a condição para que a vida continue, e não apenas no Candomblé. Todos se alimentam, seja de carne, seja de vegetal, e um boi pode ser comido em bifes, ou seja, em partes e depois de morto; uma alface, ao ser desconectada de sua raiz, também é morta. Por que não se pode atribuir um significado religioso a um ato essencial para o sobrevivência humana ?
Será mesmo que a condenação do Candomblé se deve ao sacrifício ? Não seria essa uma forma de a sociedade camuflar preconceitos mais profundos ?
O ritual macabro não está nos Candomblés e sim nos matadouros, onde os animais são submetidos a inúmeras crueldades e morrem com muito sofrimento. Imaginem um animal ainda vivo tendo a sua pele arrancada: isso é um exemplo do que ocorre nos matadouros. É por isso que a carne que será consumida pelos iniciados deve ser sacralizada por meio de rituais específicos; a carne de um animal que morreu com sofrimento não faz bem a ninguém. Os judeus e os muçulmanos, por exemplo, só comem carne de animais abatidos de acordo com seus preceitos. Por que o Candomblé não pode fazer o mesmo ?
É um absurdo acusar o Candomblé de fazer sacrifícios humanos, como têm feito certas igrejas. O Candomblé não é uma religião hipócrita e assume o que faz. São sacrificados, sim, bois, bodes, galinhas, patos e muitos outros animais, que depois servem de alimento à comunidade, mas nunca seres humanos, pois o Orixá vive no Homem e através do Homem.
Todo Homem sacrifica, não necessariamente num sentido religioso, e mata para sobreviver. Que mal pode haver em oferecer aos Deuses as partes que os homens não consomem ? Lembrem-se de que Jesus foi condenado à morte por pessoas que viriam a santificá-lo depois, fazendo o sinal da cruz, adorando a sua imagem ensanguentada. Pois que fique bem claro: não somos contra o homem
Jesus, mas contra os homens que mataram Jesus. Nós não matamos os nossos Orixás, nós os amamos com todos os seus defeitos e qualidades.
Para o Candomblé, tudo o que a Natureza produz é sangue, pois o que define o sangue é a força que detém, ou seja, o axé, e um sacrifício requer a utilização de vários tipos de sangue, vindos das mais
variadas fontes da Natureza, atribuindo vida e sentido ao Orixá, aos homens e à própria existência.
SANGUE VERMLHO
O sangue divide-se em três categorias: o vermelho, o preto e o branco, e os elementos detentores de axé são encontrados nos reinos animal, vegetal e mineral, configurando a parte material, visível e palpável da força vital.
O sangue vermelho do reino animal é representado pelo fluxo menstrual, pelo sangue dos animais e pelo sangue humano, portanto, todas as pessoas são portadoras de axé. No reino vegetal, o azeite de dendê, o osùn e o mel extraído das flores são os melhores exemplos. Os metais como o bronze e o cobre são portadores de sangue vermelho proveniente do reino mineral.
O sangue vermelho está mais diretamente relacionado às coisas quentes, ao movimento e ao fogo, razão pela qual os Orixás que exigem uma quantidade maior desses elementos dominam exatamente esses aspectos da Natureza, como Exú, Xangô e Iansâ.
SANGUE PRETO
No reino animal, o sangue preto é encontrado principalmente nas cinzas dos animais sacrificados. Sendo a cor verde variação da cor preta, assim como o azul, o sumo das folhas, o pó azul chamado waji e extraído das árvores, são exemplos de sangue preto do reino vegetal.
Já no reino mineral, encontramos o carvão e o ferro. A esses elementos relacionam-se mais diretamente os Orixás da Terra, como Ogum, Oxossi, Ossaim e muitos outros. Isso não quer dizer evidentemente, que Deuses ligados a outros elementos não os utilizem. Porém, da mesma forma que a cor vermelha é imediatamente associada ao Fogo, o preto é associado à Terra e o branco, à Água e ao Ar.
SANGUE BRANCO
O sêmen, a saliva, o hálito, as secreções e o plasma são considerados os portadores de sangue branco do reino animal. O caracol sacrificado a Oxalá é um bom exemplo de animal de sangue "branco". No reino vegetal, está no sumo das plantas leitosas e nas bebidas alcoólicas extraídas das palmeiras e de outros vegetais, também está no ìyèrosùn ( pó utilizado pelos babalôs no opelé ifá ) e no orí ( espécie de banha vegetal ). No reino mineral temos o sal, o efun ( espécie de giz ), a prata e o chumbo.
Todos esses elementos são portadores de axé e combinados reforçam, ampliam e restabelecem a relação entre os homens e os Deuses. O axé é uma força vital que pode ser acumulada, aumentada, e o sacrifício, com a utilização das mais variadas fontes de axé, provenientes de todos os reinos da Natureza, é que fortalece o poder do Orixá e dos Candomblés.


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